quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Não.


– Me dá um beijo?

– Não, não posso.

– É só um beijo... Ninguém vai ver.

– Eu vou.

– Fecha os olhos então...

– Não dá. Eu já falei...

– Shhh...
   Com tanta coisa ruim no mundo,
   que problema tem me dar um beijo?

– O problema não é o beijo. É o que vem depois.

– Mas eu já te disse que não vai acontecer nada...

– Isso. É exatamente isso.


segunda-feira, 25 de novembro de 2013

O Lulu eu não recomendo

Entrei no Lulu. O aplicativo, para quem não conhece, foi criado para que as meninas pudessem avaliar os homens de acordo com suas experiências. Como é sincronizado, é só acessar o Facebook e logo na página principal já estão todos os seus amigos devidamente rankeados, com notas e estrelinhas, uma espécie de Trip Advisor dos relacionamentos.

O cara evaporou antes de amanhecer? Sua demais? Dorme de conchinha? Paga a conta? Depois de uma série de perguntas, é hora de escolher a hashtag apropriada e dividir com o mundo como foi a sua estada. É hora de valorizar os bonitinhos e condenar os falsos, os mal humorados, aqueles que até hoje não fizeram a prometida ligação. É hora de punir os que te enganaram, os que espalharam mentiras ou verdades impróprias, é hora de se vingar dos que te deixaram sem carona às cinco e meia da manhã.

Hey, me pergunta o aplicativo, não vai concluir a resenha?
Eu penso um pouco e desisto. Não, acho que não. Por mais desastrosa e desaconselhável que tenha sido a convivência, dar uma nota seria pressupor as próximas impressões pelo que essa pessoa já foi, ou melhor, pelo que ela já foi comigo. Seria desconsiderar que os melhores beijos dependem de química e as melhores conchinhas, de contexto. Seria relevar a certeza de que cinco pode ser a média entre zero e dez, ou de infinitos cincos. Dar uma nota seria ignorar que a minha aparência depende dos olhos do outro e que todos nós merecemos oito, sete e três e meio. Depende onde, depende quando, e, principalmente, depende de quem.

Pelo menos na minha opinião, há que se reservar algum mistério para esse momento do encontro. Por mais escancaradas que estejam as nossas vidas, há que se guardar alguma intimidade para esse instante em que duas pessoas feitas de carne, osso e expectativas se cruzam num mundo já tão pouco ingênuo. Nesse momento, não mostramos exatamente o que somos, mostramos o que é possível. É provável que os tímidos se mostrem mais tímidos perto dos exibicionistas e que as bonitas se mostrem mais arrogantes em baladas nada amistosas. Diferente da cama box e da piscina que me convenceria a reservar um quarto, a afinidade usa critérios bem mais abstratos e é possível que o carinho que tive no último sábado já não esteja ali no final de semana.

Ainda assim, por bem, por mal ou só por falta do que fazer, a gente clica nas fichas alheias e chama de brincadeira o que no fundo é ansiedade. Com ou sem Lulu, a verdade é que o outro vai continuar sendo um enigma, complexo e indecifrável, igualzinho a mim e a todas nós, que inserimos login e senha e previsivelmente pensamos: "Ahh... bem que eu podia me vingar".

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

A última infância


Andei na roda gigante. Tinha cinto de segurança.

Estranhei a novidade, embora tenha achado bem prudente. 

Quando eu era pequena, a gente não usava cinto nem 

no banco da frente. Olhando tudo lá de cima, 

lembrei da minha infância e percebi que 

o politicamente correto nasceu depois de mim.


Colecionei papéis de carta, álbuns de figurinha, 

rótulos de cerveja e maços de cigarro. Pra desespero da minha mãe,

 lembro de chegar da praia com uma sacolinha cheia 

de maços fedorentos e comemorar com o meu irmão

a felicidade de achar um Charm quase intacto

depois de tanto Derby amassado.


Ralei muito joelho, roubei araçá no vizinho, 

joguei taco em rua que passava carro. 

Brinquei de dardo com ponta, caí de Mobilete, 

meu jogo preferido era Alquimia, 

que vinha com gaze pra colocar álcool 

e esquentar o tubo de ensaio. 


Nasci antes do "sem glúten e sem lactose", 

com menos opções de porcarias e criancinhas sedentárias.

Um mundo sem adoçante e de mais suco feito em casa. 

Nasci antes da classificação indicativa 

e dos desenhos tão violentos.

Sou bem mais velha que a lei seca.

Meu tempo foi tão sem noção que o mesmo Gugu 

que anunciava o Pintinho Amarelinho 

também apresentava o concurso da Gata Molhada, 

no Sabadão Sertanejo. 


Lembro da minha mãe tampando meu olho 

nas “cenas fortes” da novela e, pelo menos lá em casa, 

sexo era um assunto bem enigmático. 

A oferta de conteúdo era mais limitada, 

restrito à seção de perguntas da Capricho. 

Uma vez, fiquei curiosa pra descobrir o que era masturbação 

e fui olhar no dicionário. Me arrepia pensar que 

hoje essa busca seria feita no Google Imagens.



Não é que o mundo tenha ficado pior, claro que não. 

Todo esse desenvolvimento trouxe vantagens 

que não caberiam em um parágrafo. 

O que eu queria dividir aqui não é o saudosismo, 

mas essa esquisita sensação de que, 

apesar de todos os excessos, estávamos mais protegidos.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Ah, a conversinha...


Vão me chamar de louca, ciumenta, neurótica e

existe uma grande possibilidade de que estejam certos. 

Pode ser também que toda a minha teoria 

não passe de uma desculpa para mascarar 

minha insegurança ou a minha necessidade 

de controle sobre a vida alheia. 

Mas não é assim que eu vejo. 

No meu ponto de vista provavelmente deturpado, 

a infidelidade propriamente dita não começa na balada 

ou naquela viagem com os amigos. 

Perigo mesmo é a conversinha.


Conversinha é aquele xalalá despretensioso 

que faz a alegria da gente nas noites online. 

O gatão da academia que te adiciona e engata um papo 

sobre fotografias no Tibet, ao qual nos mostramos 

super interessadas, mesmo sem saber muito direito 

onde fica o Tibet. Pode ser também aquele papo 

mais inteligente sobre música, que me faz repensar 

a expressão salva pelo gongo por salva pelo Google, 

já que é pra lá que a gente corre antes de falar uma besteira. 

O vencedor é aquele papinho cotidiano  “tá sumida”, 

“por onde anda”, que, embora não declarado, 

deixa algumas intenções implícitas entre um heheh e um ;)



Qualquer mulher é capaz de perceber a diferença 

entre conversa e conversinha. Conversinha tem pouco a ver 

com uma amizade. A intenção dos caras é deixá-la em stand-by

até o dia em que, eventualmente, ele te chama pra dar uma volta.

A nossas intenções são exatamente iguais, 

e é por isso que, entre os comprometidos, 

conversinha vira problema.


Vira problema porque a conversinha é uma delícia. 

Faz a gente lembrar o quanto somos interessantes. 

O papo é leve, tão divertido que às vezes parece

 que não tem problema deixar transparecer algumas ambiguidades. 

Para as mulheres, tem a ver com vaidade, com testar o sex appeal. 

Para os homens, acho que tem a ver com voltar à ativa, 

fazer moral com os amigos ou provar pra si mesmo 

que continua irresistível. Alguns escracham. 

Os mais inteligentes permitem apenas supor alguma probabilidade. 



O problema é que, quando duas pessoas

tentam se mostrar muito interessantes 

uma para a outra, elas realmente se interessam. 

Dependendo do tamanho da afinidade e do espaço 

que sobra no tal “relacionamento sério”, 

esse papinho borracha desperta uma curiosidade 

que não dá pra descrever. 

Pensando racionalmente, faz bastante sentido. 

Atração não é qualquer coisinha. 

É uma força poderosa e bem mais 

antiga que a tendência à monogamia. 

Vem nos protegendo da extinção há mais de 150 mil anos. 

Colocou 6 bilhões de pessoas no planeta Terra. 

Pra mim, é fato: quem fica de conversinha 

uma hora vai querer levar pra conhecer a caverna.



... E se me chamarem de maluca,
eu vou dizer que é só ciência.





quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Silêncios de amor

Fala-se muito sobre palavras de amor 

e muito pouco sobre os silêncios, 

mas acredito que o amor esteja tanto no que se fala 

quanto no que se deixa de dizer. 


Me parece solidário poupar o outro das partes mais cruéis, 

cortar do discurso algumas acusações porque 

simplesmente porque não é a hora. 

Me parece sensato calar em vez de ofender, 

omitir algumas verdades por compaixão. 


Nem tudo precisa ser dito. 

Vivemos numa época de sinceridade 100% e talvez seja essa 

a razão de tanto conflito. 

No momento em que são verbalizadas, 

as situações se concretizam. Inventa-se uma realidade que não 

necessariamente foi, ou que poderia ser diferente 

se estivéssemos com menos raiva.


Palavras arranham amizades, humilham quem a gente gosta, 

palavras injustas agridem. 


Palavras podem mudar o passado e 

não há como pegá-las de volta. 

Sei que não é nenhuma novidade.

O problema é que a gente só lembra disso depois de dizer. 


quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Três historinhas reais




O que não dizer para uma criança


Na fila da temakeria, escuto a conversa entre a mãe e a menina.

A menina, de não mais que dois anos, havia tirado o casaco,

deixando aparente sua blusa de pijama.

“Saí na pressa e ela não quis trocar de roupa”, comenta

a mãe em voz alta, como quem se desculpa em público.

O tom é doce, mas fica evidente que ela gostaria

de ver a filha mais arrumada.

A grande questão é que a blusa de urso não combina com a calça.

Por isso, ela repete para que a menina coloque o casaco.

A menina nem liga, entretida em chamar a garçonete

para pedir um copo d’ água, sem quase nem saber falar.

O olhinho inteligente e sua fofura natural de criança

conquistam a fila toda e mais algumas mesas perto da porta.

A menina vira o centro das atenções.

Um pouco nervosa pelo improviso da roupa, a mãe apela:

– Você está muito feia com essa blusa.

A menina estranha, confere silenciosamente a estampa da blusa,

segura a aplicação do bichinho e mostra pra mãe,

como se tivesse havido algum engano:

– É o urso, mamãe...

O argumento veio tímido, mas me convenceu.

Como que o amiguinho urso poderia ser feio? Para quem?

A mãe, mesmo frente a tanta inocência, continuou

e carinhosamente falou as piores palavras do mundo:

– Eu estou com vergonha de você.





O que se dizer para uma criança


A menina tinha ganhado um patins e notou que

as amiguinhas ficaram diferentes.

Não queriam mais brincar com ela como antes.

A menina ficou chateada e contou a história para a mãe,

que muito sabiamente perguntou:

- Elas meninas também têm patins?

- Não.

- Então empresta...





O que a minha mãe me disse

Eu tinha uns 5 anos. Era véspera de dia das mães

e nós íamos fazer um cartão. No dia anterior,

as tias do colégio avisaram que todos deveriam levar tesoura.

A regra era claríssima: quem esquecesse

a tesoura ficaria sem cartão.

Já no caminho para a aula, olho para o meu material, 

percebo que esqueci e começo a chorar compulsivamente.

Conto para a mãe o motivo do meu desespero.

Ela entende e ela fala bem calma:

– Querida, é só uma tesoura. Você vai chegar lá, explicar

que você esqueceu e alguém vai te emprestar.

Até hoje, sempre que alguma coisa me preocupa

eu tento me lembrar dessa cena.

Felizmente descubro que tenho bem menos problemas

do que tesouras.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

(um silêncio interrompeu a conversa)



Ele diz que vai esperar para ficar comigo e eu fico com medo.

Sinto que preciso alertá-lo do meu poder de destruição,

do quanto posso magoá-lo, do quanto provavelmente vou.

Ele me acha tão linda e me olha como se eu fosse de algodão.

Não vê meu coração remendado nem sabe das minhas farpas.

Está tão feliz com o amor que não vê o risco

em dizer que gosta de mim. Eu vejo.

Tenho medo daquele ponto em que se perde o controle,

em que o outro passa a ser imprescindível,

em que a gente fica tão irracional que esquece de um mundo

com sete bilhões de pessoas.

Tenho medo de cometer os mesmos erros,

de cobrar quando podia entender, de levar tudo tão a sério,

de conviver com a sensação de estar sempre esperando.

Vai chegar uma hora em que ele não vai mais me perguntar

se prefiro coca ou guaraná

e teremos uma lista de certezas subentendidas.

Meus olhos vão denunciar tudo o que eu penso e

é possível que eu seja cruel por vingança.

Tenho medo daquela hora em que vou lembrar dele

antes de abrir o olho, e que vou precisar, não por dependência,

mas porque sou mais feliz do seu lado.

E quando eu paro para pensar se tudo isso me assusta,

eu penso que só um pouquinho.

Medo mesmo é do buraco que fica depois que o amor vai embora.


quinta-feira, 1 de agosto de 2013

A felicidade não dá um texto

O motivo do meu silêncio é felicidade. 

Porque ela vem assim sem avisar e ocupa tudo. 

Não dá muito tempo para grandes elucubrações. 

É só isso, de querer estar do lado, 

de escolher o cardápio de sexta à noite, 

de repente se encontrar naquela situação tão rara 

em que o tempo e o espaço finalmente estão de bem. 

Não quero mais que os meses passem rápido 

nem tenho pensado como seria estar em outro lugar. 

Pelo menos por enquanto, desliguei do Facebook 

e parei de preocupar com aquela permanente sensação 

de que eu poderia estar mais encaminhada. 

Agora que o agora me basta, as linhas ficam em branco.



sexta-feira, 19 de julho de 2013

Nada demais

Um amigo me mostrou uma foto. 

Ele pequenininho e o avô em cima de uma pedra. 

Era uma dessas fotos antigas absurdamente expressivas. 

Comentei que eles não estavam virados para a câmera 

e ele me explicou que deviam estar olhando para a vista.

Achei coerente. Pensei em todas as minhas fotos 

e me dei conta do quanto são artificiais. 

Geralmente a paisagem ou qualquer coisa que devesse ser admirada 

ocupa o plano de fundo, enquanto eu sorrio 

com a minha cara de foto, igual desde os treze anos.

A pose é treinada: inclino o rosto, 

cuido para não fechar demais o olho, 

e abro a boca um pouquinho para não ficar tão redonda. 

Esse tem sido o meu check in antes de inventarem o check in. 

Um documento pré-formatado para mostrar que eu realmente estive ali. 

Quero parecer feliz e acabo parecendo 

alguém que mistura ansiolíticos e remédios de emagrecer. 

Não dou nenhuma chance para me fotografarem mais naturalmente. 

Quero me ver assim, bonita e dura, 

enquanto guardo a ilusão de que ninguém nunca me viu mastigando.


sábado, 8 de junho de 2013

Forgiveness


Vou colocar em inglês pra ver se fica mais bonito.

Por algum motivo, perdão não soa bem. Claro que

poderia ser pior, vide jubileu e regozijo,

mas guarda um ar antigo, às vezes pesado demais.


Mesmo não gostando da palavra, perdão é importante, 

tanto porque influencia a nossa relação com os outros,

mas, principalmente, porque a falta dele pode manchar

o que a gente lembra de mais bonito.


Não tenho nenhuma dúvida: a cabeça é uma armadilha.

No critério de seleção da memória as coisas ruins contam mais.

Sempre tenho a impressão de que frustrações, decepções

e inconvenientes funcionam como aquelas provas injustas

em que o erro zera a questão e ainda anula um acerto,

não importa quão relevante tenha sido.


Anos e anos de escola e a gente lembra do dia em que

a mãe demorou demais para nos buscar, da amiga que pisou na bola, 

de qualquer detalhe que nos fez passar vergonha. 

Anos e anos de amor e a gente lembra da única mensagem 

que não deveria estar ali, repassa as frases mais cruéis 

como se tivessem sido ditas hoje, apaga as incontáveis

noites em que os filmes foram inevitavelmente

ignorados por motivo de força maior. 


Valorizamos o erro, maximizamos qualquer tipo de ofensa 

como se tudo fosse pensado e proposital.

Estamos cada vez mais reativos, dispostos a tocar o foda-se

por motivos microscópicos ou apenas visíveis a olho nu.


Considerando essas mesquinharias, penso que se fôssemos 

um pouco mais evoluídos seríamos ainda mais a favor do foda-se, 

só que de outro jeito. Seríamos a favor do “Foda-se: eu te amo”, 

do “Foda-se: tem coisa mais importante”, 

do “Foda-se: nossa amizade não vai acabar por causa disso”.


Em vez de gastar tanto tempo polindo dramas, diríamos simplesmente

“Foda-se: não tem problema” , “Foda-se: já passou”, 

“Foda-se: deita aqui e me conta: como é que termina a história mesmo?” 


Claro que tudo tem limite, mas é sempre bom ficar atento 

ao nosso grau de intolerância. Pode ser perigoso

ficar colecionando mágoas. Se não puder desculpar,

vá em frente, mas esteja consciente do risco.

É como jogar uma meia vermelha numa máquina de roupas brancas. 

As roupas brancas também são suas.



sábado, 18 de maio de 2013

Quem quer ir embora vai


Sem aviso, sem teaser, sem drama,

sem beijo de despedida, nem longas explicações. 

Vai e não volta para buscar as roupas que ficaram no armário, 

as fotos do dia dos namorados, 

não briga por nenhum tipo de herança dessa história. 


Enquanto a gente ainda gosta, o normal é insistir na trilogia.

Querer um capítulo I que permita um possível capítulo II.

Um final estrategicamente reversível em caso de arrependimento

ou milagrosa mudança de atitude. 


É do protocolo de quem quer ficar revirar assuntos esgotados

e cobrar o amor que falta como um pincher impaciente.

Para os que não têm coragem, a tática é dissimular,

achar uma brecha e jogar a culpa pro outro lado

a fim de se livrar do ônus de pedir desculpas.


Seja por medo ou por esperança, de alguma maneira,

 as histórias se estendem e se enosam.

É privilégio de quem não se importa deixar as coisas

por isso mesmo e sair antes do fim.


Porque, se parar pra pensar, dizer não é fácil.

Digo não para rabanete, agrião, convites para corrida

e buffets de sopa. Digo não para atendentes de telemarketing,

assinaturas do Linkedin, fujo sem cerimônia das pessoas

que me abordam na rua com uma prancheta na mão.


Para tudo que não se quer, dizer não é a coisa 

mais simples do mundo. 

Difícil é deixar de querer.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Os compatíveis

Toda mulher que disser que não é exigente está mentindo.

Existem dezenas de requisitos. Uma prova eliminatória 

que descarta sem dó mais de 90% dos candidatos. 

Que avalia até os que não estão concorrendo, 

que passam na rua, com mulher e filho. 

Uma seleção automática, com critérios já tão incorporados 

que a gente nem se dá conta.


Um cara legal, que nos trate bem, que seja divertido 

e minimamente romântico. Que seja parceiro, 

com valores parecidos e em quem se possa confiar. 

Já perdi as contas de quantas vezes passei essa descrição 

para alguma amiga super bem intencionada, que depois 

trouxe um amigo muito querido para me apresentar. 

E em menos de três minutos de conversa, eu pensava: 

"Meu deus...não". Demorei até conseguir admitir que

tudo isso só importa num segundo momento.

Antes, vem a lista.

Poderosa, soberana e absolutamente irracional.


Estatura mínima, estatura máxima, uso de decote V 

ou gel no cabelo. Gosto musical, preferências televisivas, 

presença de desafio, ausência de pelos conversando com você. 

Regatas são intoleráveis. Colarzinho de coco instiga a sair correndo. 

Pochete, mocassim, meia preta com tênis e camisetas 

que remetem à Jamaica enquadram-se na mesma categoria.


Todo mundo tem uma lista, por mais preconceituosa que ela seja. 

Adão e Eva por exemplo. Numa dessa se Adão fosse loiro e a 

Eva tivesse os dedinhos muito feios poderiam passar a vida 

jogando baralho ou assistindo TV. Faz parte da lista transformar 

características razoáveis em defeitos incorrigíveis. 

Num processo autoexecutável, nos dá a capacidade de scannear 

as festas mais concorridas até chegar à conclusão: 

"Aqui não tem ninguém pra mim". 

Cruel e politicamente incorreta, a lista torna invisíveis 

os que não preenchem os requisitos, ao mesmo tempo que 

faz brilhar fluorescentes aqueles que chamo de “os compatíveis”. 


Ele olha, você olha também. De repente se reconhecem,

 numa conexão tão forte que deixa o mundo em stand-by. 

Todo o resto silencia. Às vezes é a fila do supermercado, 

um elevador ou até o metrô às seis da tarde. A sensação que se tem 

é que se o contexto fosse outro é óbvio que dariam certo. 

Amariam-se loucamente num domingo de manhã, 

viajariam no feriado, cantariam juntos as músicas mais cafonas. 

Quase como um pressentimento, parece que, se 

de alguma forma ele pudesse pegar o seu telefone, 

todo o resto estaria encaminhado. E então alguém te pede licença 

e você percebe que a sua estação já chegou. 

Você salta e tudo isso seria mesmo um exagero, 

se não fosse o rosto dele colado no vidro, te olhando na plataforma 

com cara de quem acaba de perder alguma coisa.


terça-feira, 30 de abril de 2013

Tipo isso


Assinei o pacote básico e agora me lembro disso todo dia.

Eu não, a Net me lembra. Sento na TV, pego o controle remoto e

vou passando os programas até encontrar uma opção razoável. 

Quando finalmente decido, logo vem a tela preta me dizer que

aquele canal, o único que eu queria assistir, logo esse, eu não tenho. 


Consigo imaginar a defesa publicitária do gênio que inventou 

a artimanha. O cara caminha em torno da mesa de reunião 

e mostra como transformar um problema em oportunidade. 

“Todos os assinantes terão acesso à grade completa de programação. 

Assim, se sentirão naturalmente estimulados a ampliar a assinatura, 

o que se transforma em muito mais lucro para a empresa”. 


Imagino os gráficos coloridos, os aplausos do pessoal do Marketing e 

a vontade que tenho é de arremessar o meu controle remoto 

em direção ao aspirante visionário. Aliás, o meu encontro com 

a tela preta sempre me faz sonhar com um elevadíssimo grau 

de interatividade, pelo qual eu poderia fazer isso 

muito confortavelmente, sentadinha no sofá. 


Aproveitaria a mesma tecnologia para dizer de uma vez por todas 

que não quero conhecer as vantagens do Now e avisar que 

não estou disposta a gastar mais nenhum centavo com uma TV 

tão sem coração a ponto de permitir que todos os filmes comecem 

no mesmo horário ("Atrase 15 minutos e perca todos de uma vez”) 

e admite uma dublagem que deixa boa parte das atrizes

com a voz da Brenda, do Barrados no Baile. 


Só por curiosidade, entro no site e, para minha surpresa,

descubro que meu plano tem 159 canais. Como tudo no Brasil,

claro que existe um jeitinho Net de fazer as contas: 

38 canais de música (aquele azul, que a gente só acessa por engano), 

os canais em HD contam duas vezes e ainda tenho direito 

a outras opções fantásticas como Net Games, Net Cidade, 

Net TV e Central de Vendas Net.


Mais um pouco e o menu passa a valer como canal. 

Se duvidar, será o meu preferido.



quarta-feira, 24 de abril de 2013

Resumi o nosso amor a uma frase


Cortei o nosso primeiro encontro, os filmes que a gente viu,

os apelidos eu tive e as viagens de feriado. 

Cortei as mensagens de texto, os e-mails que eu escrevi, 

os planos que a gente fez e tantas declarações. 

Cortei a poltrona do lado, a cópia da tua chave, 

o rosto que encosta no meu em todas aquelas fotos.

Cortei os cds que a gente ouvia no carro.

Cortei os domingos que passaram depressa.

Cortei os invernos em que esquentei a mão no teu pescoço.

Cortei as vezes que comparei meu pé com o teu.

Cortei os arrependimentos, os motivos, as conclusões e as pausas. 

As vontades que me faziam tua, as gentilezas que me faziam bem.

E foi assim que o tempo picotou a nossa história.

Hoje eu digo apenas “namorei muitos anos”.


quinta-feira, 18 de abril de 2013

Muita atenção com as baratas


Minha autoestima depende tanto dos outros que deveria ter outro nome.

Os elogios que eu recebo, os comentários que eu erro, 

tudo isso me coloca tão pra cima ou tão pra baixo que eu chego

a questionar até que ponto o amor próprio depende de mim. 


Admiro muito as pessoas autênticas, que conseguem pedir um favor 

com tranquilidade e se mantêm à vontade nos territórios inóspitos, 

mas esse nunca foi muito o meu caso. 


Me irrito um pouquinho comigo mesma sempre que passo por 

essas lindas que passeiam no shopping no fim da tarde, 

com cabelos perfeitos e vestidinhos esvoaçantes que, 

mesmo se eu tivesse, jamais usaria num shopping. 

Me irrito um pouquinho mais quando reparo que estou 

com as unhas por fazer e que a it-peça do meu guarda-roupa 

são cinco blusinhas da Zara, que eu comprei em diversas cores 

só porque eram muito práticas. 


Apaixonada, então, o negócio complica. 

Preciso fazer um esforço incrível para continuar confiante 

assim que começo a gostar de alguém. 

Admiro no outro as qualidades que eu não tenho 

e logo passo a agir como se não me sobrasse nenhuma. 

A história é sempre a mesma: começo interessante e 

termino me sentindo um biscoito de polvilho. 


Guardadas as devidas proporções, vejo que desenvolvi 

uma relação semelhante a que tenho com baratas

e outros insetos voadores, que exercem sobre mim um poder absurdo. 

Basta que eu os veja para que eles captem toda a minha atenção 

e eu já não consiga fazer mais nada. Apesar da evidente vantagem, 

me sinto incapaz de qualquer atitude e em vez de enfrentar, 

como seria sensato, sou do tipo que abandona o apartamento 

com a roupa do corpo. 


Não deveria ser tão vulnerável. Preciso perder o medo e reverter 

esse tipo de raciocínio que sempre me deixa pra baixo. 

Preciso me lembrar que eu sou mais forte e preciso fazer isso logo,

antes que as baratas descubram e passem a pisar em mim.


domingo, 14 de abril de 2013

Força do hábito


Não me lembro de dormir uma noite inteira no sofá.

Pelo menos na casa dos meus pais, sempre que cochilava 

e começava a sonhar, meu sono era drasticamente 

interrompido por um ¨vai para a tua cama, filha¨.


Sei que a intenção era boa e que as camas são

mesmo mais espaçosas, mas até hoje não entendo por que

dormir na sala era um grande problema.

Por mais suave que fosse o tom de voz da minha mãe, 

a peregrinação até o quarto era sempre dolorosa, 

e, na minha cabeça, o sono é que deveria ser respeitado, não o sofá.


Imagino que deva haver alguma cláusula secreta

no estatuto da boa mãe, o mesmo que discorre sobre

as também misteriosas razões para secar a louça,

que impeça rigidamente o acúmulo de funções entre os móveis da casa.

Ou talvez seja alguma superstição do tipo

“quem dorme na sala não dá certo na vida”.


De qualquer modo, quero dizer que sou contra e 

gostaria de alertá-los sobre os efeitos colaterais dessa técnica

aparentemente inocente. 


No último final de semana,

ao encontrar a minha mãe cochilando sentada, 

não consegui resistir ao impulso e sussurrei baixinho:

“Mãezinha, vai pra tua cama.”

Só hoje me dei conta do absurdo.

Teria sido muito mais coerente dizer: “Deita, querida.”


quinta-feira, 11 de abril de 2013

A foto do perfil é mais bonita do que eu


O Whatsapp não tem nada de inocente. 

Descobriu que a falta de atenção me vicia com facilidade e 

agora alimenta minha neurose com o last seen. 

Não quero desmerecê-lo: acho fantástico poder falar com meus amigos

e o fato de ser gratuito torna-o especialmente cativante.

Entretanto, percebi que o que me prende ao aplicativo,

o que faz com que eu o acesse muito mais do que seria saudável,

não são mensagens: são as pausas.

O tempo que separa as conversas que eu tive das que eu gostaria de ter.

A mensagem que é recebida e ecoa sem resposta.

O recado que não chega e me faz pensar: onde é que ele anda?

A falsa sensação de controle sobre a vida alheia, 

que permite adivinhar itinerários, e a angústia de estar sendo ignorada,

às vezes sucessivamente.


Mensagens ilimitadas com custo zero. 

O contexto é tão despretensioso que instiga a dizer coisas

que normalmente não seriam escancaradas.

No universo de quatro polegadas, as relações funcionam diferente,

com intenções mais soltas e fáceis de dissimular.

Por mais pensado que seja, qualquer convite ganha um ar natural

e toda coragem pode ser remediada com um simples hahaha.


Antes as coisas eram mais simples. 

Você escrevia, a pessoa respondia ou não. 

Se não respondesse, sempre haveria o consolo de pensar que

a mensagem não tinha chegado, ou que não tinha sido vista. 

Agora a verdade vem bem mais cruel e você pode surtar

utilizando opções variadas, tais como bloquear, desbloquear e,

por que não, enviar as conversas por e-mail.


Já testei todas essas e algumas outras: deletei os contatos da agenda 

e apaguei o aplicativo para nunca mais voltar. 

Hoje não prometo nada.

Já até desisti de desabilitar o last seen. 

Vi que aceito ser vigiada desde que eu também vigie e 

suporto toda a exposição desde que me considerem. 

Percebi as vantagens da superficialidade e 

e coloquei no meu perfil a minha foto mais bonita.


Como disse no começo,

o Whatsapp não tem nada de inocente.

Que bom, porque eu também não tenho.


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Ontem eu achei um emprego. Hoje eu pedi demissão. Vou explicar o motivo para que vocês se saiam melhor do que eu. Desemprego mata a aut...