sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Quem quebra a cara não quebra a cara

Cara é rosto, é um lado da moeda,

é um jeito amistoso de chamar alguém,

Cara é o contrário de barata,

Cara é mesmo que homem.


Cara a cara é frente a frente,

Ficar de cara é se impressionar.

Duas caras é falsidade.

Ir com a cara é simpatizar.


Logo de cara é imediatamente, 

Há uma cara é há muito tempo.

Cara-metade é par, 

Cara-de-pau não tem nada a ver com a cara.


A gente fala e nem se dá conta. 
A gente entende e nem se dá conta. 

Não é o máximo?






sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

E que venha o amor com toda a sua imprudência


Este fim de semana presenciei um pedido de casamento.

Foi o meu primeiro pedido ao vivo e a cores 

e também o mais emocionante.

O noivo estava de aniversário. 

Depois do almoço, os convidados foram chamados para 

assistir a uma homenagem surpresa feita pela irmã.

Primeiro as fotos de pequeno, depois na escola,

nas viagens de verão com a família,

com a namorada logo que se conheceram e ao passar dos anos.

Cabelos diferentes, cenários diferentes, 

o amor de sempre em todas as fotos.

Parecia mesmo uma homenagem de aniversário 

se não fosse pelo vídeo que interrompe a apresentação.

Sozinho, olhando direto para a câmera,

o próprio aniversariante conta sobre o quanto ama a namorada,

sobre como foram felizes esses últimos anos,

e passa a palavra para o cara sentado ao lado dela,

que deveria estar “tão emocionado quanto ele”.

O vídeo se enganou.

O cara ao lado dela estava muito mais emocionado.

Ajoelhou-se nos dois joelhos e fez a tão esperada pergunta.

Ninguém escutou o sim, mas a resposta estava ali.

Clara, soberana, indiscutível.

Ao ver o seu amado de joelhos, 

ela imediatamente ajoelhou-se também.

Igualmente emocionados eles se abraçaram,

se beijaram, se olharam e se abraçaram mais.

Era o fim de um longo namoro e o início de uma nova família.

Diante deste desconcertante indício

de que de vez em quando o amor vence,

eu me dei conta de que a gente não quer um anel.

A gente quer uma história pra contar.

Uma história com começo, meio e fim

que nos dê argumentos para acreditar que

estamos nessa por amor.

Não por comodismo, não por praticidade, mas por amor.

Esse que nos faz apostar em tudo que é duvidoso.

Que nos faz preferir a pureza da dúvida.

Que nos faz abrir mão do cientificamente comprovado.

Ninguém pode garantir nada.

Nem para si nem para o outro.

A gente só quer que o outro acredite tanto quanto nós

que essa loucura pode dar certo.

É a coragem que faz o pedido de casamento tão bonito.

É por esse sopro de coragem que a gente espera a vida inteira.

Não é pelo anel.

O anel é o de menos.  

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Que a água fria nunca me separe do oceano

Sempre que eu vou à praia eu entro no mar.

Não importa se faz frio, se tem onda ou não, eu entro.

Levanto da cadeira,

respiro fundo,

cogito voltar quando o pé encosta na água,

mas continuo porque me lembro de mim.


Como toda criança,

passei anos vendo mais graça na água

que na areia.

Gostava da areia para construir castelos,

para cavar buracos até encontrar miniminhocas vermelhas,

de correr (em vão!) atrás dos caranguejos brancos

e sempre perdê-los para seus túneis perfeitos.


Mas da água eu gostava mais.

Os castelos derretidos de areia molhada,

tatuíras hiperativas,

a sensação de mergulhar onda após onda

como quem enfrenta o mar que se levanta

e vence.


Para mim, nada era tão libertador quanto um banho de mar.

Enquanto a areia fazia só o que eu mandava,

o mar me testava o tempo todo.

Guardava por ele uma admiração de irmão mais velho.


Para os adultos, nada disso importava muito.


O único fator determinante era a temperatura.

Se molhassem o calcanhar e franzissem a testa

o veredito estava dado: água fria.

Como se fosse um crime, como se fosse um erro.

E eu não podia entender como eram tão chatos.


E é disso que eu me lembro até hoje.

É só água fria. Eu mergulho e passa.

Juro que me sinto até mais nova ao ver meus dedos murchos.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Topless pra quem tem peito

Foi só vê-lo se aproximar que o arrependimento começou a bater.

Estava ali esticada, imóvel, exposta.

Manteve o foco na linha do horizonte para afastar

qualquer possibilidade de contato visual.

Tentou não fazer nenhum movimento brusco

na esperança de que não fosse notada.

No desespero, desejou profundamente que o homem se dirigisse

a alguma cadeira atrás da sua,

mesmo já sabendo que não havia ninguém.

Antes de sentar, tinha se certificado.


Os metros de isolamento faziam parte de um plano

que havia começado de manhã,

durante uma conversa com o espelho.

Tirou a blusa, olhou-se de frente, virou-se de lado e decidiu: é hoje.

Já estava na hora de enxergar o peito

como mais uma parte do corpo.

Inegavelmente mais interessante que os cotovelos,

mas ainda assim uma parte do corpo.


Fazia quase dois anos que estava treinando para isso.

Desde que chegara a Nice invejava a falta de cerimônia

com que suas amigas se libertavam das blusas na praia.

Achava o máximo a naturalidade com que assumiam seus seios.

Maiores ou menores, rosados ou marrons,

firmes ou nem tanto.

Sua inseparável "parte de cima" a fazia sentir tão antiga

quanto as vergonhas da carta de Pero Vaz de Caminha.

Sufocados, esmagados, erguidos com hastes de arame.

Enquanto a arábia tinha burca, o Brasil tinha o bojo.


Mas ela não estava mais no Brasil.


Escolheu então o lugar mais afastado.

Abriu a cadeira, esticou a toalha, desfez o lacinho.

Sentiu o biquini frouxo e a adrenalina da transgressão.

Arrepiou-se inteira.

Entendeu os homens sem camisa.

Concordou com as que queimaram o sutiã.

Era o fim de um enclausuramento que já durava 30 anos.


Os mamilos ainda comemoravam o ar livre quando o homem apareceu

e, como para irritá-la, sentou-se a quatro palmos da sua cadeira.

A moça defendeu-se como pode: virou-se de bruços.

Inventou um livro para ler.

Era visível o constrangimento que ele parecia ignorar.


- Você tem Facebook? -- perguntou em um inglês com sotaque estranho.


Ela nem respondeu.

Era o cúmulo da audácia e da inconveniência.

Ainda de costas, prendeu o biquini e saiu enterrando os pés na areia.

Voltou para a casa furiosa.

Quando a raiva passou, viu que ainda não estava preparada.

Definitivamente,

desprender-se da cultura era bem mais complicado

que desamarrar os lacinhos.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Não é consenso. É clichê.

“Eu te amo deve ser a mentira mais repetida do mundo",

uma amiga comentou.

Pensei no mapa, nas diferentes línguas,

nas traições que deviam estar acontecendo

naquele momento ao redor do mundo

e me convenci instantaneamente.



“Eu te amo” salva a moça no fim do filme,

redime os arrependidos e os apenas culpados,

representa a infalível vitória do amor, esse que a gente tanto busca.


Namoros começam e casamentos resistem por causa dessa frase.

“Eu voltei porque eu te amo”

“Eu menti, mas eu te amo”

“Tudo que eu sei é que eu te amo”.

Funciona mais ou menos como um antídoto,

como uma palavra mágica tão reluzente quanto fogos de artifício.

A gente se encanta com o brilho

e nem se pergunta o que está por trás da ofuscante claridade.


Eu te amo pode significar “Eu te admiro”,

“Eu morreria por tua causa”,

”Eu me sinto dependente do teu cuidado”,

“Eu ficaria feliz se nós pudéssemos passar a vida inteira juntos".


Pode significar tudo isso ou,

no pior dos casos, o inverso disso tudo,

uma frase de efeito usada para dissimular,

o chantilly de um bolo azedo.


Na maior parte das vezes, é uma expressão cotidiana

que cai muito bem antes de desligar o telefone.

Eu digo, ele responde. Resolvido.

Sorrimos a ilusão da reciprocidade.

Com significados assim tão vagos,

fica impossível ter a certeza de que somos correspondidos.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Só o começo

Era uma casa de solteiro, e era como se tudo lá dentro não tivesse par.

Chinelos com dois pés esquerdos,

fronhas florais e lençois de listra,

quadros sem moldura e

uma monalisa fumando sempre o mesmo cigarro.

Era o que poderia se chamar de decoração única,

porque absolutamente nada se encontrava.

Vasos guardavam retrovisores quebrados,

os cachepôs floresciam cinzas e

os tupperwares sem tampa se amontoavam promiscuamente

dentro do armário de portas caídas.

No universo das coisas avulsas, a única que tinha par era eu.

Meu cansaço tinha o teu colo, minhas manhãs, a tua temperatura.

Minha vontade tinha o infinito caramelado dos teus olhos.

Junto contigo, eu era inteira sobre nós.


...Resolvi escrever só o começo. O fim é triste, pode acreditar.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Estranhezas à parte, ou considerações desnecessárias sobre coisas inúteis




"Novo" é tudo que é inédito.

"De novo" é tudo que não é.

Ou seja, "de novo" não tem nada de novo.

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Tirei este grande ensinamento de uma palestra:

O corpo não deve ser apenas um meio de transporte para a cabeça.

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Se me restassem seis meses de vida,

ok, eu pegaria o avião amanhã mesmo.

Mas se fossem seis anos,

provavelmente eu não mudaria nada.

É estranho, mas parece que a minha cabeça só cogita

loucuras a curto prazo.

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Li uma vez que, com o aquecimento global,

Florianópolis vai ser uma das primeira ilhas do Brasil a desaparecer.

Enquanto todo mundo se preocupa com as casas encobertas

o que me apavora mesmo é imaginar a vida

quando a água estiver batendo no joelho.

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A felicidade, quando passa, dói.

Tristeza, quando dói, passa.

É tudo uma questão de tempo.

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O amor é a medida da minha força e da minha vulnerabilidade.

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segunda-feira, 13 de junho de 2011

Memória Ingrata

Como redatora publicitária, escrevo muitas vezes

a palavra inesquecível.

Quase toda a semana, saem da tela do meu computador

momentos inesquecíveis, viagens inesquecíveis,

encontros inesquecíveis.

Recorro ao clichê sem muito orgulho,

plenamente convencida da minha mentira.

Quando penso no passado, vejo que, pelo menos para mim,

o “inesquecível” nunca foi e provavelmente não será

previamente planejado.


É muito particular o processo seletivo da memória.

O que fica guardado nem sempre é o mais importante

ou o mais esperado.

Na minha cabeça, as lembranças são

retalhos de situações desconexas, umas engraçadas,

outras trágicas, mas nada, quase nada,

que poderia ser passado na novela das oito.

Vou dar um exemplo.


Inesquecível para mim foi a primeira vez que

eu passei autobronzeador.

Eu estava na sétima série e lembro de ter pago R$ 17,00

( bastante dinheiro naquela época)

num autobronzeador importado.

A ideia de ficar morena perto das olimpíadas do colégio

era tentadora: perguntariam para onde eu tinha viajado

e eu jamais revelaria o meu segredo.


A fantasia não durou muito.

A primeira decepção foi o cheiro defumado do produto,

que em nada combinava com a sofisticação que eu pretendia.

Ninguém jamais imaginaria que eu tinha ido de cruzeiro para Punta,

no máximo até Santos num caminhão de linguiça.

A segunda foi a minha cor: não fiquei morena, fiquei laranja,

um tom estranho entre o amarelo e o barro,

alguma coisa que lembrava muito mais doença do que férias.


Definitivamente, naquela semana, fui mais olhada do que esperava,

mas é impossível dizer que atingi o meu propósito.

Por algum motivo que não consigo explicar,

lembro dos detalhes até hoje.

Não é que tenha sido ruim, nem bom,

mas que foi inesquecível,

disso eu não tenho nenhuma dúvida.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Doloroso despacho do que me fez sua


Não torço para time nenhum.

Não vejo futebol.

Não sei, até hoje, a diferença entre lateral e tiro de meta.

Foi por todos estes motivos que respondi “Tanto faz”

quando o moço do posto de gasolina perguntou qual dos chaveiros

eu preferia.

Era o meu prêmio por trocar a água do radiador:

um chaveiro, uma caneta e um carrinho.

O homem então me entregou o pacote.

Secretamente, ele já havia escolhido por mim.

Era avaiano. O moço e o brinde.


Antes de me apoderar do presente, voltei atrás.

Revelei que preferia que fosse do Grêmio.

Minha solicitação foi atendida sem questionamento.

Sentei o brinde no banco do passageiro.

Os questionamentos ficaram todos para mim.


Porque, como eu falei, eu não me importo com futebol,

mas escolhi o Grêmio por causa dele.

Faz cinco anos que a camisa azul, preta e branca

é a preferida do fim de semana e

eu já perdi as contas de quantas vezes escutei

que ele não gosta do meu esmalte do Inter.

O problema é que não estamos mais juntos e, ainda assim,

escolhi o Grêmio.


Enquanto o chaveiro e o carrinho me olhavam,

na subida do Morro da Lagoa,

eu percebi que o difícil não é acabar o namoro.

É saber o que fazer com a namorada que eu ainda sou.

É reconhecer os territórios conquistados e me apropriar

novamente de mim.

E esquecer que ele prefere lençol de malha e

voltar a pedir pizza com azeitonas.

Ligar o rádio e ter coragem de cantar sertanejo sem culpa.

Sair à noite e desgrudar do celular.

Voltar para a casa sem querer mandar mensagem antes de dormir.


É cansativo encarar o desgaste do amor do fim,

dos palavrões ditos com a boca toda, das maldições de vingança,

dos arrependimentos que se antecipam,

do remorso de enterrar algo que ainda respira.

É dolorido ter que se defender do amor do outro

para prevenir desilusões irreversíveis

e descartar o futuro imaginado com o desprendimento

de quem joga fora

um panfleto recebido a contragosto.


Dói quando o telefone não toca,

quando não surge uma contra-proposta,

quando o outro consente que não merece outra chance

e não se esforça por merecer.


Tudo isso é difícil. Eu sei. Eu admito.


Mas difícil, difícil mesmo, é arrancar de mim mesma tudo

aquilo que me fez sua.

As partes que me foram amorosamente usurpadas

durante os anos de convivência.

O sentimento de propriedade.

O sentimento de pertinência.

Difícil, difícil mesmo, é aceitar o chaveiro rival

sem a incômoda sensação

de que eu ainda estou traindo alguém.

Ontem eu achei um emprego. Hoje eu pedi demissão.

Ontem eu achei um emprego. Hoje eu pedi demissão. Vou explicar o motivo para que vocês se saiam melhor do que eu. Desemprego mata a aut...