Porque tudo isso que nos enoja não se reverte. A gente vai se acostumando a mastigar gordura, a gente sente esse fedor por tanto tempo que uma hora ele some. Esse país não é fácil. Quem tem poder não presta e quem presta quase não presta atenção. Precisamos sobreviver, não é assim? Eu tenho um aluguel que me prende, um 13º que me consola e um sonho de me tornar alguém na vida não me ajuda em nada. O mercado é tão concorrido que eu tenho sempre a sensação de estar atrasada e é tanto desespero que sempre vai existir quem cobre menos. Enquanto eu preocupo com textos irrelevantes são esses idiotas que escrevem as leis. E ainda têm a cara de pau de dizer que a corrupção é endêmica, como se não existisse gente honesta. Nós aceitamos a ofensa como se fizesse parte do nosso legado. Sei que o que eu vou dizer é chocante, mas eu conheço gente honesta. Ou, pelo menos, menos desonesta que essa quadrilha que me governa.
O Brasil me mata de desgosto e o problema é que desgosto não mata. Eu não devia me conformar com essa sujeira, mas sinto que estou endurecendo. Outro dia, sozinha na Rua Augusta, vi um homem ensanguentado na calçada. Em vez de parar para ajudar, fiquei com medo e apressei o passo. Vejo que estou cada dia mais indiferente aos mendigos que se mudaram pra minha rua. Só me sinto segura depois de entrar em casa, onde assisto as notícias os supostos escândalos que eu sei que não são supostos.
Ando tão enjoada dessa história, mas toda essa nojeira não desce. Eu participei das passeatas e sei que não sou a única que continua indignada. Se me perguntarem sobre gigante, não acho que ele adormeceu. Ele acordou e foi pro trabalho, como faz todo dia. Por mais que esteja tudo tão podre, a gente precisa comer.