domingo, 1 de agosto de 2010

As mulheres não se pintam para ficar em casa

Venda-se

Não é isso que todo mundo faz?

Repare no esplendor das festas de casamento,

nos discursos pomposos dos grandes empresários,


nas declarações solidárias dos voluntários de ONG´s.


Estamos sempre querendo vender alguma coisa:


a ideia de que somos mais ricos do que realmente somos,


mais bem sucedidos do que a média do setor,


mais conscientes do que o resto da humanidade.


A maior prova de que nos vendemos é que normalmente


esperamos algo em troca. Dinheiro, fama ou reconhecimento.


Vende-se por dinheiro aquele que escolhe a profissão pelo salário,


aquela que vê no marido o crédito que ele pode oferecer, quem “se


confunde” no troco e acaba embolsando 25 centavos. Vendem-se por


status os que financiam um carro em 43 meses, que pagam numa bolsa


o que não gastam no aluguel, que se humilham por cinco minutos na


televisão. Por reconhecimento, nos vendemos todos.


É dessa necessidade de admiração que surge a competição invisível


de cada um consigo mesmo.


Trabalhamos muito, dormimos pouco, rimos menos na esperança


do dia em que enfim seremos citados como exemplo.


E não há nada de ruim, nem de bom, nisso tudo.


É pelo mercado natural do ego que se inventam vacinas,


que se lança moda e se firmam acordos de paz.


É pelo mercado natural do ego que se usam drogas, que se


atiram bombas, que se mata um menino para roubar o Nike.


É da nossa humanidade comercializar virtudes.


A verdade é que somos mais simpáticos quando interessa,


mais educados quando convém,


e preferimos ignorar que o fazemos por medo de responder:


"O que é pior? Que estamos à venda,


ou que o preço é tão baixo?"



*** Encontrei esta frase escrita em um muro e passei muitos anos com ela reverberando na minha cabeça. Hoje descobri que ela faz parte das indagações do Projeto Inserções em Circuitos Ideológicos, iniciado em 1970 por Cildo Meireles. Quem ficar interessado em saber quais eram as outras 15 questões, é só clicar aqui

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quinta-feira, 29 de julho de 2010

Extraño

Só depois de voltar de viagem reparei que não foi muito tempo. Fiquei

fora cinco meses e meio, quase nada mudou. Minha cachorra cresceu,

mas ainda me ama como no início. Meu gato engordou e continua

antipático. Minha mãe me espera com a mesa posta. Meu pai e eu nos

indignamos com as mesmas manchetes do jornal.


A única novidade agora é uma saudade que eu não tinha antes.

domingo, 25 de julho de 2010

Unissex

Se o sentido de "Unissex" é "pode ser usado pelos dois sexos" por que

não se chamar bissex, polissex, ou plurissex?

Busquei no google e vi que não fui a única a ter essa dúvida.

No dicionário Oxford eles explicam que Unisex é uma palavra nova

e que a escolha pelo prefixo "uni" deve ter sido influenciada por

palavras como "universal" e "unidos", nas quais "uni" significa

compartilhar.

Mais esquisito que o próprio "Unissex" é ter demorado 26 anos

para perceber isso...

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Sobre o sentido das coisas

Três homens estavam construindo o muro de uma obra imensa.

Era fevereiro e fazia muito calor.

Um curioso que passava por ali resolveu perguntar o que esses

homens estavam fazendo.

O primeiro mal respondeu.

Disse que estava cansado, que era impossível trabalhar com esse Sol,

que já não aguentava mais essa construção que não terminava nunca.

O segundo foi bem prático. Explicou que sua função era enfileirar as

pedras e cobri-las com cimento, que era um serviço comum e

pagava mais ou menos bem.

O terceiro, que parecia mais animado, estranhou a pergunta:

"Não vês? Estou construindo uma catedral! "

Qual deles estava certo? Os três estavam certos.

A diferença foi o significado que cada um deles

atribuiu ao seu trabalho.

***

Escutei isso em uma palestra ontem de um professor

e pesquisador chamado José Antônio Marina.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Alerta

"Isso foi você mesmo, ou o seu mecanismo de ajustar a hora?"

Acordei com essa frase na cabeça.

Foi o que sobrou do meu último sonho.



sexta-feira, 7 de maio de 2010

Vida plana

Ontem eu fui a um show e fiquei na primeira fila,

ao lado de um homem que,

mesmo na primeira fila,

conseguiu não ver o show.


Do início ao bis, ele segurou o celular no alto

e permaneceu atento à tela de 5 centímetros.

Na imagem do seu telefone,

o vocalista ficou azul e do tamanho do meu polegar.

Ainda assim, ele escolheu gravar o show.


Eu não consigo entender essa obsessão pela imagem.

Eu não consigo entender essa contradição:

Enquanto o cinema se esforça para alcançar as três dimensões,

a vida real se achata em um visor de telefone.


Desde que surgiram as câmeras digitais

Estamos possuídos pelo incoerente desejo de captar.

Gravamos e fotografamos tudo, o tempo todo,

como se ver e viver não fosse mais suficiente.

Gastamos tanto tempo tentando eternizar momentos

que obrigatoriamente os deixamos escapar.


Tenho medo de que, no futuro,

as pessoas percam a capacidade de olhar diretamente.

E que para assistir a um show em três dimensões

seja necessário ir ao cinema.


***
PS: Dividi as frases dessa maneira para fazer um teste. Como geralmente escrevo textos grandes, queria deixá-los mais fáceis de ler. Eu agradeceria muito se quem conseguiu chegar até aqui me desse a sua opinião.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Palin e eu

Sarah Palin ganha 12 milhões de dólares por ano devido a suas aparições midiáticas.

A recente divulgação dos ganhos anuais de Sarah Paulin pode até inflamar as críticas dos democratas americanos, mas a mim parece perfeitamente coerente. Sarah é bonita, jovem e suas opiniões despertam comentários contraditórios. Desse modo, guarda em sua personalidade os atributos publicitários mais desejáveis: se diferencia da concorrência, gera expectativas e sua repercussão é indiscutível. Em outras palavras: ela vende.

Se eu fosse Sarah, a Palin, creio que faria o mesmo. Penso que talvez cobraria até mais caro para comparecer a seminários, eventos beneficentes e outras festas chatíssimas. Para decidir o preço, levaria em consideração o público que atraio e a felicidade proporciono. Imaginem quantas senhoras não sairiam de casa simplesmente para verificar, ao vivo, se sou realmente tão magra quanto na televisão, se o meu ruivo é verdadeiro, se a minha testa é botox e outros detalhes do gênero. A essas, eu daria o indescritível prazer de revelarem a suas amigas, em exclusivo, a notícia mais esperada do ano: Sim, eu já fiz plástica. Mais de uma.

Aos homens (que são mais bobos, mas tão mal intencionados quanto as mulheres) acho que transmito uma sensação de bem estar distinta. Um senhor com mais de 80 anos se aproxima de quantas moças atraentes por ano? Poucas, não? Numa seção de autógrafos, por exemplo, esse ancião terá não apenas a possibilidade de me ver de perto, poderá também apertar a minha mão e dizer que compartilha dos meus ideais. Como se não bastasse, irá me pedir uma foto, que eu não recusarei. Para sorrir, vou focalizar o valor do contra-cheque e procurarei esquecer os futuros usos que essa foto possa adquirir.

Isso se eu fosse Sarah Palin, mas eu sou a Sarah que sou. À Sarah que sou espanta não o que ganha a política americana, e sim que haja tanta gente disposta a pagar tanto por ela. A mim, ninguém paga nada. Sou apenas mais uma infeliz escrevendo gratuitamente sobre Sarah, a verdadeira.


PS: Essa crônica carece de elegância. Todos nós temos dias de mau humor.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

"Ironias Vulcânicas" ou "A Verdadeira Proporção das Coisas"

Maria chorou mais do que pretendia durante a sua festa de casamento. Devido ao cancelamento dos voos para a Itália, suas duas irmãs não puderam presenciar o sim mais importante de sua vida. Na mesma noite, Lucy e Tristan brindaram felizes em um hotel barato em Paris. Depois de uma despedida dramática no aeroporto, Lucy pegou o primeiro ônibus de volta para o Centro e esperou Tristan no quarto, só de lençol. Permanecem aí desde então. Uma versão Low Cost de nove semanas e meia de amor.

A inglesa Julia, de 13 anos se considera agora a menina mais sortuda da escola. Na última sexta-feira, beijou Manolo, um pouco mais velho, de 14. Se não fosse pelo vulcão, ela teria ido ao chatíssimo encontro anual da família Munch, na Noruega. Está tão agradecida que pensa em criar uma comunidade no orkut "Eija me beija" na qual Alice, sua irmã mais velha, não vai entrar. Para ela, o fim de semana foi uma catástrofe. Por causa do caos aéreo Alice foi obrigada a contar que a"casa de praia da amiga" era, na verdade, um hostel em Amsterdam com o primo surfista do seu namorado. Volta de ônibus hoje à noite. Serão 12 horas para tentar formular uma mentira mais convincente.

Em meio a tantos sentimentos controversos, o único que permanece imparcial é o próprio Eyjafjallajökull. Desconhece a confusão dos aeroporto, não se comove com o prejuízo das companhias e, para desespero dos jornalistas, não cogita abreviar seu esquisitíssimo nome. Apenas cumpre a função de vulcão. Sua monstruosa naturalidade revela a verdadeira proporção das coisas: o amor só parece imenso em nossas vidas microscopicamente importantes.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

A armadilha do espelho

À distância, escutou o chamado do pacote de Bono. Trocou de canal, passou as fotos para o Facebook, tentou distrair-se mas a voz se tornava cada vez mais forte e imperativa. Até que não resistiu. Voltou à cozinha. "Só uma", enganou-se. Comeu a primeira, a segunda e logo pacote se converteu em pequeníssimos farelos.
A deglutição da última bolacha a fez despencar no abismo da culpa. Viu-se incapaz de controlar seus instintos, prisioneira de suas vontades, impotente frente à sua impetuosa e inesgotável gula. Não conseguia entender como um problema com uma solução tão rudimentar podia arrastar-se por tanto tempo.
Talvez fosse melhor que o emagrecimento dependesse de uma série de formulários burocráticos e procedimentos complexos. Pode ser que diante de obstáculos ela se sentisse um pouco mais firme e estimulada, mas não. A saída era simples e só dependia dela. "Começo de novo amanhã", e foi jantar no Burger King.
No dia seguinte, ao sair do banho, o reflexo de seus excessos apedrejou seu corpo todo. "Daqui em diante, vou viver de salada e Coca Light" prometeu. Antes de sair, virou-se de costas e se certificou novamente de seus rosados braços moles. E mais uma vez ela caiu na armadilha do espelho. Enquanto visse a gordura, pensaria que o peso era o seu único problema. Na verdade, este era apenas o único que estava disposta a enxergar.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Sou mais bonita em português

A falta de flexibilidade em espanhol me deixa uma permanente sensação de incompletude. Queria que as pessoas conhecessem a minha voz, o meu jeito de falar e as coisas que eu normalmente diria. Às vezes cansa ser uma versão mal traduzida de mim mesma.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Ideia de Roteiro

Em espanhol, mas acho que dá pra entender...

Emma y Guille trabajan en la seguridad del Corte Inglés (uma loja de departamentos muito grande que fica perto de onde eu moro em Madri). Guille encuentra un móvil en un probador. En el móvil hay algunas fotos de desnudez en muy baja resolución y un vídeo en el cual se ve la cabeza de una chica (como si estuviera apoyada en las rodillas) , una mano en su cabeza, con un anillo de oro, y solo se escucha una voz: “Prueba el veneno del escorpión”. Guille muestra ese video a Emma. Emma es llamada por su walk talk y pide a Guille que respete la privacidad de la chica.

Al regresar, Emma encuentra una niña saliendo de la oficina de seguridad. Pregunta a Guille que pasó con la esa chica y el contesta que vino a buscar su móvil. Emma se queda pasmada y va a verificar que edad tiene la chica en la ficha que se rellena siempre que se recoge algo en la sección de objetos perdidos. La chica tiene 12 años y se llama Julia. Emma decide llamar a la madre de ella.

Su madre viene al Corte Inglés y Emma explica lo que pasó y qué podría haber ocurrido si esas fotos cayesen en las manos equivocadas. Le preguntó si Julia tenía novio y la madre le dice que se va a informar de sus colegas de escuela. Emma avisa que es más probable que sea un vecino o cosa así, pues en el video se escucha la voz de un adulto. La madre se queda aún más nerviosa. Llama al marido para que la encuentre en frente del Corte Inglés. Se despide de Emma, pero cuando se levanta de la silla, casi desfallece. Emma se ofrece para acompañarla hasta la puerta.

Llega el marido y pregunta a la mujer qué pasó. La mujer explica que no se sentía muy bien y que Emma le ha ayudado. Él agradece y le tiende la mano. “Raúl.”Ella reconoce la voz y el anillo. Raúl sale abrazado a su esposa. En la parte de trasera de su brazo se puede ver parte de un tatuaje de escorpión.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Quase

Quem encontrou este blog por causa do Quase talvez também goste de:
"Amores Express" , "Apesar dos Negativos", "Colégio Interno" e "Mochilas da Company" postados em Abril de 2009, "O óbvio ou o peso de ser brasileira", de maio de 2009, e "Discurso de Formatura do 3º ano", de setembro.

sábado, 20 de março de 2010

Atalho





Saí atrasada na quarta feira e peguei um atalho para ir à faculdade. Foi como entrar num sonho. Margaridas no chão, árvores cor de rosa, claridade e paz. Vi namorados sentados na grama, um caracol e um cocker molhado. Escutei o barulho d´água e descobri que meu maior luxo em Madri é o caminho da escola.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Outro domingo




Hoje a minha rua estava triste,

Calçadas sujas de silêncio e sombra

Na solidão das árvores sem folha

Eu desfiei meu último sorriso.


Vi um pinheiro de natal no lixo

e uma senhora que tocava música

Mais parecia uma boneca russa

que há muito o tempo envelheceu.


De haver sentido assim ameaçada

por seus olhos de dor e pedido

voltei pra casa caminhando em culpa.


Eu nem sei quando fiquei tão amarga

Estou mais dura que a minha calçada

Ando mais triste que a minha rua.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Martha está morta

Imagino Martha escolhendo a roupa, combinando a blusa e o cachecol de linha. Antes de sair, Martha riu para o espelho e pegou a jaqueta. A mãe até chegou a perguntar aonde ia, mas era melhor não dar grandes explicações. Nem mesmo ela sabia quanto tempo ia demorar a conversa, podiam ser 15 minutos ou a noite toda.

Desceu as escadas rápido e teve tempo de segurar a porta para a vizinha de cima, que chegava cheia de sacolas. "Se não tá levando guarda-chuva se prepara", avisou a moça, esbugalhando o olho. Através da imensa porta de vidro lembrou como detestava o inverno. Nem eram seis da tarde e já parecia noite.

Quando viu a moto chegar, atravessou a rua. Deu dois beijos em Rodrigo, reclamou do tempo e foram a um bar ali perto. Estava curiosa para saber qual era o tão misterioso presente. Ele fez todo um teatro para mostrar a surpresa. Quando Martha começou a ficar impaciente, Rodrigo finalmente entregou os incensos do Chile.

Se havia uma hora em que poderiam ter se beijado seria essa, logo que disse que não tinha conseguido parar de pensar nela durante a viagem, mas dessa vez Martha resolveu não complicar mais as coisas. Rodrigo parecia tão interessado que deu medo. Era muito cedo para começar outro namoro e e não teria porquê arriscar uma amizade num momento tão difícil. Meteu os incensos no bolso da jaqueta, disse que estava muito molhada para ir ao cinema e decidiu voltar para casa.

Cruzou a porta de vidro, subiu pelas mesmas escadas e encontrou Miguel na campainha. Cumprimentaram se meio esquisito, como acontece com ex-namorados, e entraram logo. Ele disse que a amava e e que ia mudar. Ela respondeu que não acreditava e preferia continuar afastada até que as coisas se acalmassem. Pediu que ele fosse embora. Miguel abraçou-a com força e tentou beijá-la até que percebeu os incensos escapando do bolso da jaquela preta.

Quem te deu isso?
O Rodrigo.

Martha termina aqui. Miguel deu dois passos até a mesa, pegou o cinzero de ferro e bateu com tanta força que ela nem gritou. O ex namorado limpou o sangue com o cachecol de linha e essa foi a noite em que martha pegou mais chuva. Seu corpo foi jogado num parque na fronteira de Sevilla e até hoje ninguém encontrou.

* O crime aconteceu em 14 de janeiro. Martha tinha 17; Miguel,21. Ele confessou um mês depois e, desde então vem mudando seu depoimento. Primeiro, o corpo estaria no rio, no aterro sanitário e por último nesse parque. Pouco se sabe sobre o que realmente aconteceu.De vez em quando eu janto escutando esse caso na televisão. Martha aparece sempre em fotos de verão, com um colar de buzios. Sua vó, com uma enxada, diz que só descansa quando encontrá-la. Eu rezo para que ela seja encontrada, mas não por um familiar. Depois de quase dois meses, Martha não se parecerá consigo mesma.

sábado, 6 de março de 2010

Sobre a beleza que se esquece


Hoje eu entrei em um castelo do qual eu jamais vou conseguir lembrar. Mesmo que eu veja as fotos, minha cabeça não tem a calma daqueles campos secos, o brilho dos tetos folheados a ouro, a nostalgia das janelas úmidas. Teria que voltar para saber. Vou guardá-lo em mim como uma construção perfeita e uma felicidade inespecífica. Será, na minha memória, um lindo castelo, mas nunca tão lindo quanto ele realmente é. Não tão lindo quanto foi hoje.


***

Eu vejo a beleza como uma experiência. A beleza do novo é a surpresa do deslumbramento, o prazer de tocar o impossível até senti-lo concreto e coerente. É deparar-se com o que nunca foi vivido e sentir o inédito se transformar em lembrança. Mais que na impressão visual, a beleza está na revelação.


E é por isso que as crianças conseguem se admirar com mariposas comuns e os primeiros beijos são bonitos. Não se trata de uma questão de simetria, mas de ponto de vista. Enquanto os adultos veem asas marrons, as crianças se maravilham com a possibilidade de voar. No beijo, conta a emoção de ver a insegurança dando lugar à descoberta e frio na barriga.


* A foto é o teto do castelo Alcázar de Segóvia.



quarta-feira, 3 de março de 2010

Aulas de Roteiro



Quero escrever uma história e, mais que tudo, quero saber como se escreve uma. Já comecei alguns livros que não passaram da página 3. Alguns viraram postagem de blog, uns descansam no meu HD e habitam minha cabeça. A maior parte dos textos que criei foi solenemente deletado por falta de razão para existir.

Inventar uma história só parece fácil. A ideia de que você se senta em frente à tela do computador e as palavras saltam voluntariamente é uma lenda. As palavras saem das minhas mãos como crianças pequenas quando passeiam com o colégio. Há as que saem correndo a ponto de se perderem da professora, as se atrasam demais e por pouco não são atropeladas e as andam no ritmo, com mais ou menos vida.

É difícil compreender a métrica da composição, mas percebo que existe, claro, alguma lógica. Fera se transforma em príncipe e conquista Bela assim como a Anne Hathaway vira a preferida Miranda Priestly em "O diabo Veste Prada" e Júlia Roberts, uma linda mulher. Em toda a novela das oito, a trama principal consiste em um amor impossível e complicado por uma vilã que dedica sua vida a destruir a felicidade do galã e da mocinha. Por mais que seja possível reconhecer que existe padrão, noções sobre o que "funciona" são demasiado vagas para garantir que alguém, além da mãe e da melhor amiga, chegue até a última página.

Uma história precisa ser única, sincera, intensa e delicada. Ela tem que parecer real, por mais mágicos ou inusitados que sejam seus protagonistas.Uma história tem que ter tudo aquilo que se espera de uma história e mais tudo o que não se esperava dela (vide Sexto Sentido). Há que surpreender e corresponder. Os personagens, que de fato nunca existiram, devem sentir o que sentem todas as pessoas. Quem se comove é porque empresta sua vida às linhas que alguém escreveu.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Calle Romero Robledo, 13


Moro numa rua que não sei onde termina. Quando saio, de manhã, tudo ainda é novo e pede a minha atenção. As calçadas úmidas, as grades na janela, uma placa de “Restaurador de muebles y antigüedades.” Cuido para não pisar na caca de perro sempre na calçada. Quando o sinal está verde para pedestres toca um alarme que parece um pio. Espero os passarinhos para atravessar a rua e imagino quem seja o Sr. Romero Robledo.

São só cinco minutos até o metrô. Minha estação fica ao lado “exército del aire”. Acho uma brutalidade combinar “exército” e “ar ” na mesma locução. Nada poderia soar mais poluído. Coletes camuflados e metralhadoras guardam a recepção deste edifício tão charmoso e iluminado que merecia mulheres de blush e salto alto.

Sei que estou no primeiro mundo quando os ônibus passam na hora certa e há lixeiras para recicláveis na frente de todas as portas. Sinto-me em 1960 quando uma amiga acende um cigarro durante o meu almoço e sei que ela não cogita que a fumaça possa incomodar. Ao meu redor, há pelo menos mais dez cigarros queimando em um restaurante pequeno com janelas e portas fechadas.

Passeando pelas papelarias, descobri que aqui é mais comum encontrar cadernos quadriculados. Pilhas e pilhas de cadernos quadriculados. Não consegui aceitar a ideia. Comprei folhas sem linha e tirei as palavras do cativeiro.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

¡Me encantó!

Estou em Madri. Por mais que eu já tivesse visto as paisagens da Europa em filme e imaginava mesmo que fosse tudo muito bonito e bem cuidado, demoro a me acostumar com tanta história guardada do mesmo lugar. Tantos reis e rainhas lembrados nos nomes das ruas, tantas portas decoradas, tantas ruas apertadas e tortas.. me perco imaginando quantas pessoas já passaram por aqui.
Nesta cidade tudo é glorioso. O baile dos chafarizes, a pose dos cavalos dos cavalos das estátuas, as praças. Passeiam por esses lugares iluminados milhares de pessoas como eu, falando inúmeras línguas, segurando mapas e bugigangas, pedindo informações com um espanhol enrolado. De longe, em grupos e com casacões escuros, os pontos turísticos parecem mesmo um formigueiro. Tudo sem a neurose das formigas, claro.
As moças daqui têm imensos olhos misteriosos e são muito cabeludas. Invejo essas franjas bem densas e esse jeito de "te vi mas não te vejo". As com que troquei algumas palavras eram muito educadas e gentis, mas não fazem o tipo "alegrinha".
Está sendo divertido descobrir Madrid. "Casa do Bacalao" não vende peixe, mas vestidos de noivas. Shopping aqui é "centro comercial", o que considero pouco glamouroso. As torneiras abrem para o lado contrário, assim como as portas de elevador. Às duas da tarde as lojas fecham para que os espanhóis tirem um soninho e só reabrem às cinco. Isso significa que durante três horas todos os dias da semana parecem domingo.
Faz 6 dias que estou aqui.
Tenho cinco meses para me surpreender.

Elas por elas

- oi...
- oi
- tudo bem?
- tudo, i ai?
- tudo também
- tá sumida né?
- acho que tem alguma coisa errada... quem é?
- vai dizer que não lembra de mim?
- desculpa, mas eu não te conheço.
- Ah, não vem com essa. Tem alguém aí perto?
- eu não te conheço
- tá sozinha?
- meu, não tá lendo meu nome, cara? é ricardO.
Na real, não sei nem como vc tá no meu msn...
- eu te adicionei depois que a gente se falou no chat do terra.
Lembra?
- não, claro que não, eu nunca entrei lá.
Eu sou homem, cara.
- Tu não é a Samira?
- Não. Meu nome é Ricardo.
Que Samira?
- Samira, faz direito na Unisul...
- Loira?
- Loirinha, meio peituda.
A gente saiu duas vezes...
Ela sempre entrava com esse e-mail...
- Sempre?
- Sempre não, é modo de dizer.
Foi nas férias que a gente se falou mais. Depois ela sumiu.
Acho que tinha um namorado, sei lá.
- vc conhece a Samira?
- vc conhece a Samira?
Ricardo_GSM@hotmail.com não recebeu sua mensagem pois está off line
-alô?
-alô?
Ricardo_GSM@hotmail.com não recebeu sua mensagem pois está off line
-alô?
-alô?
Ricardo_GSM@hotmail.com não recebeu sua mensagem pois está off line

Ricardo levanta da mesa do computador e vai para a varanda do apartamento. Acende o cigarro. Primeiro pensa em terminar o noivado com a Samira, depois pensa em fazer isso em público. Por último, ele decide terminar com ela em frente de todos os colegas de trabalho e ainda encaminhar essa conversa pra todos os contatos do seu e-mail. Mas antes de o cigarro terminar, Ricardo reconsidera. Vai deixar isso como uma carta na manga. Se um dia Samira descobrir que todas as terças-feiras ele almoça com a Tatiana num motel, ele saberá o que dizer.


terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Só pode

· É possível que as piranhas e prendedores de cabelo que eu perco sirvam de alimento para os papéis de cartão de crédito que se proliferam dentro da minha bolsa...

Ontem eu achei um emprego. Hoje eu pedi demissão.

Ontem eu achei um emprego. Hoje eu pedi demissão. Vou explicar o motivo para que vocês se saiam melhor do que eu. Desemprego mata a aut...