sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Deselegâncias


Não importa a academia, o regime, o suco verde. Depois dos trinta, fiquei pesada. Não sei o que aconteceu, mas de uma hora pra outra me vi cética, sincera e talvez bastante impaciente. Com algum ensaio e menos rodeios, hoje em dia eu pergunto. Ouço, com uma dor conhecida, respostas que não surpreendem.

Desisti de tentar adivinhar o que eu já sei e chamar de calma o que é só autocontrole. Perdi a paciência de esperar sentadinha a minha vez como se todo envolvimento já viesse com um alerta de mantenha distância. Ando incompetente em sustentar ilusões e incapaz de separar cabeça e corpo.

Vivemos numa época de muito personagem e pouca história pra contar. Estamos indisponíveis. Quem está na pista provavelmente só quer dança, enquanto a gente samba miudinho pra não se fechar de vez. Que fique claro: não falta homem. Falta qualidade na interação, falta espaço na vida do outro e disposição da nossa parte em tratar o coração como um músculo.

Cansa chegar numa casa vazia, acordar na cama sozinha, desperdiçar os fins de semana com um visor de telefone. Cansa, ainda mais que tudo isso, constatar que ultimamente as coisas nem começam. Ficamos aqui, brincando no rasinho, enganando a nós mesmos com esse menu degustação que sempre nos deixa com fome.

É essa falta que me pesa. Deve ter se acumulado no meu olho, deve sobrecarregar o meu silêncio essa lista de esperanças rasuradas. Quando me vejo no espelho, sinto que já fui mais leve. Estou exausta de me arrumar para abrir a porta e descobrir que é engano.

Por mais que pareça estranho, quem não quer ficar sempre aparece.

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Que bom que estamos vivos


"Que bom que estamos vivos" foi a frase mais importante que eu li ultimamente. Estava numa exposição, encontrei-a no meio de um quadro e na hora me impressionou. Tirei fotos que não cheguei a postar, mas essa ideia ficou marcada na cabeça.

Estamos vivos, cara. Neste momento, existem milhões de pessoas dividindo o universo. Adolescentes ansiosos numa entrevista de estágio, crianças conhecendo a praia, gente segurando um filho pela primeira vez. Existem lugares bem secos e baleias no oceano. Meninas ensaiando coreografias, gatos se espreguiçando, aniversariantes completando 7 e outros 77. O planeta é um lugar muito eclético e é mesmo uma experiência estar aqui.

Estamos vivos agora e nunca mais teremos essa idade. Percebi dia desses que reclamar dos anos é uma enorme perda de tempo. A idade só vai aumentar, assim como a dos nossos amigos e a de todo mundo que a gente ama. É uma opção plausível olhar para a vida com mais consideração. Não sinto saudade da pressa que eu tinha antes e, se você olhar as fotos da sua mãe com trinta e poucos, vai ver que como ela ainda era nova.

Por mais clichê que seja, agradecemos pouco. Almoçamos bem, voltamos a nossa casa quentinha, dormimos com os pés limpos na nossa cama fofa. Só porque acontece todo dia, achamos que isso é normal, mas é justo porque acontece todo dia que isso deveria ser o máximo.

Esquecemos do nosso corpo. Encoste um dedo no outro, esquente as mãos com a boca. Qual é a cor que você vê quando está de olhos fechados? Eu, que só me olho no espelho para reclamar do peso, demorei 30 anos para ver que era gostoso respirar. Estamos contraditórios: glorificamos o Waze enquanto negligenciamos nossas pernas queridas, que nos levam e trazem tão bem.

Sentimos cheiro de pipoca, decoramos letras de músicas, temos uma cabeça que nos permite criar viagens imaginárias a cada promoção de passagem. Temos talento, saúde e tempo. Temos arrepios no pescoço e espaço no coração. Temos abraços honestos, um grupo da família porque temos família. Temos vontade para ganhar o mundo e motivos pra voltar.

Precisamos estar muito distraídos para ignorar o quanto temos sorte. Se ontem foi o dia dos mortos, então o resto do ano é nosso.

Que bom que estamos bem.
Que bom que estamos vivos.




quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Somos novos ainda. Estamos aprendendo.


Dia desses eu ouvi que a minha geração não tem planos. Que a minha geração não tem a mesma garra. Que a minha geração não tem força para virar noite após noite até se tornar diretor. Ouvi que desistimos logo, que não temos referência, que nosso trabalho é irrelevante, que colocamos a qualidade de vida como prioridade cedo demais. 

Secretamente me perguntei se deveria estar me endividando para comprar um apartamento, se deveria desejar com mais ardor uma cozinha planejada, se deveria conseguir me enxergar com clareza num futuro estável. Quando eu me imagino em dez anos, não consigo dizer que me sentiria realizada trabalhando numa dessas cadeiras de couro altas, repetindo o modelo que já não me agrada. Talvez tenhamos nos tornado mesmo maus jogadores. Ou talvez a gente só queira jogar outro jogo.

Concordo que estamos desatentos, mas acho injusto culpar os smartphones pela nossa dislexia: temos um mercado que expulsa os mais velhos, os colegas com crises de pânico, a glamorizada globalização do trabalho que, na prática, significa competir com gente que cobra muito pouco. Não tenho vontade de descobrir com os meus próprios olhos que essa rua é sem saída. Mas não acho que seja preguiça. 

Crescemos ouvindo que era melhor não depender da aposentadoria, que as empresas eram impessoais, que o governo ia acabar roubando a gente. Ainda muito cedo, ficamos céticos em relação à hierarquia, mas não nos ensinaram o segundo passo. Saí do colégio sabendo decor o ciclo de reprodução das gimnosperma, mas sem a menor ideia dos impostos que me esperavam. Sabia o nome de todos os presidentes, mas nada aprofundado sobre os partidos de agora. Pensava, assim como meus pais, que o curso superior seria um grande diferencial.

Acho que nos iludimos que a vida de adulto seria mais fácil, mas quando eu paro pra pensar nas disciplinas inúteis do nosso currículo, no preço indecente dos apartamentos e no piso sofrível de quase todas as profissões, eu não sei como poderíamos estar melhores. É um processo. Conheço muita gente se esforçando pra construir algo que faça sentido. Apesar da velocidade do nosso tempo, considero uma oportunidade crescer em uma geração que pode se dar ao luxo de mudar de ideia, que olha com receio para os sonhos pré-moldados e não busca o sucesso a qualquer custo só pra esfregar na cara de alguém.

Estamos confusos, mas não perdidos.
Sabemos o que não queremos. Já é meio caminho andado.

sábado, 5 de setembro de 2015

Não posso me perder de mim


Depois de encontros entusiasmados, enfim chegamos à bifurcação. Bifurcação é aquele ponto em que o interesse de repente se dissipa e ocorre a sublimação de qualquer possível futuro. Em um tempo que não consigo definir exatamente, a história muda de rumo. Ontem você poderia contar um segredo. Hoje você calcula o oi.

Surge entre uma mensagem e outra uma parede gelada e densa. A conversa trava. A ansiedade acaba preenchida por emoticons tão felizes que à segunda vista parecem patéticos. A empolgação vira insegurança e a insegurança vira silêncio.

Haja autoestima para levar numa boa essa sensação de que alguém desligou na nossa cara. Por mais que a história se repita, essa parte sempre incomoda. O pensamento fica à procura de alguma explicação. Ontem encontrei.

Contraditoriamente, percebi que interesse vai embora quando eu chego. Quando rompo a barreira entre o educada e o autêntica e finalmente consigo ser parecida comigo. Quando ajo como eu agiria perto dos amigos que me conhecem melhor, eu perco o encanto que imaginaram pra mim. Talvez eu seja pouco princesa, talvez seja muito clara, talvez eu pareça precisar de colo porque às vezes eu preciso mesmo. Talvez eu não estivesse num bom dia. E tudo bem.

Eu não sou a foto do perfil. Eu não sou as roupas que eu visto. Eu não sou o que se pode supor antes de me conhecer. Tridimensionalmente, eu sou uma confusão. Eu sou as minhas escolhas. Eu sou a minha voz, sou as coisas que aconteceram comigo, tenho umas vontades só minhas e sonhos fora do plástico. Eu me orgulho e sofro por coisas que quase ninguém enxerga. E essa é a minha graça.

Não há o que lamentar. Não pretendo adaptar meu conteúdo a quem me escolheu pela forma. Continuarei assim, assustadora do meu jeito, porque preciso ser sincera comigo. Ainda que eu não encontre outra pessoa, o que eu não posso é me perder de mim.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Podaram uma pessoa


Já passa das duas da tarde. Os pratos ainda estão sobre a mesa. O celular recebe uma mensagem de chamada não atendida. Ele pergunta quem é. Ela responde não sei, mas ele não acredita. Começam a discutir. Em menos de quinze minutos, todos os fantasmas das brigas antigas ocupam o apartamento recém comprado. Ela tem 22. Ele tem 25. Ela quer ir embora, mas ele não deixa. Ele pede desculpas. Ela não cede. Ele então resolve fazê-la se arrepender.

Primeiro um tapa, depois um empurrão. Ela cai por cima da mesa. Ele a ameaça. Ela corre para o banheiro, mas não consegue trancar a porta. Ele atira seu celular para longe e começa a chutá-la. "É hoje que eu morro", ela pensa ao ver o facão. Com as mãos, ela tenta seu proteger seu rosto. Alguns gritos depois, ela perde. 

Ela perde o tocar, o dirigir, ela perde sua letra e o abrir as portas. Perde o cumprimentar, o acenar, o acender e o fotografar. De uma hora para outra, somem todos os acordes do violão e a possibilidade de ligar pedindo ajuda. Ela não pode mais assinar um cartão. Não pode mais rabiscar o papel. Morrem naquele momento todos os desenhos que um dia faria e as receitas que queria aprender. Não poderá mais apertar as perninhas fofas do seus sobrinhos pequenos, nem fazer suas próprias malas. 

Morre a independência. Morre o vestir-se sozinha. Morre o segurar dos talheres, o lavar os cabelos e o mudar de canal. Morre o clicar, o digitar, o estender. Morre o fechar as cortinas, enfeitar a árvore de Natal. Morre o acariciar um filhote. Morre o abraçar forte. Morrem uns tantos desejos e todos brindes do réveillon. 

A mulher sobrevive. O caso vira notícia. As manchetes focam no corpo, mas me parece simplista. No momento em que o marido decepa as duas mãos daquela moça, ele amputou uma vida.





-- Quem quiser/puder ajudar, essa é a conta da mãe dela:

Janete Silva
CPF: 92130135072
Bradesco
Agência 1973 Conta Corrente 0038720-7

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Um amor de oitava série


Volto para 1998. É janeiro. Faz um dia bonito, daqueles em que a luminosidade muda a cor de todas as coisas, o céu ganha um azul amarelado e tudo parece suspenso pelo calor. Já passou do meio dia, volto da praia por uma rua onde não passa ninguém, com pele salgada de mar e os pés ardendo na calçada quente. Tenho 14 anos, uso argolas prateadas e um vestido verde bem curto esconde o meu biquíni.

Faz quase um mês e meio que as aulas terminaram e estou longe da cidade, longe da minha adorável internet discada, curtindo o marasmo das férias de verão. Ando empenhada em conseguir um bronzeado e clarear meu cabelo com chá de camomila. Volto pra casa sozinha e seria um dia perfeitamente comum, não fosse a minha irmã me esperando do outro lado da ponte perto do condomínio. Não, ela não tinha vindo me chamar para o almoço. Como toda boa irmã mais velha, precisava me avisar que ele tinha ligado.

Ele era o menino que eu gostava. Era por quem eu passava horas me arrumando na saída do colégio, exagerando no batom para parecer mais velha. Ele era quem eu espiava nos intervalos da aula e suspirava sozinha olhando a quadra. Ele me fazia tremer, me fazia esquecer o que eu ia dizer, me fazia passar vergonha de tão nervosa que eu ficava. Ele não me dava a menor bola, mas naquele dia me ligou. Disse que conseguiu meu telefone com uma amiga, que tinha lembrado de mim e me escrito uma carta. Disse que tinha coisas pra me contar e que eu deveria escutar uma música. Corri até o shoppingzinho para comprar o CD, mas não consegui aguentar o suspense e ouvi a letra nos headphones da loja. Era um pedido de desculpa que no final me perguntava se já era tarde.

Não era. Na verdade, era bem cedo. Aquilo era só o começo de uma avassaladora paixão adolescente, com beijos demorados, telefonemas intermináveis e apelidos constrangedores. Era o começo das tardes mais legais da minha vida, mãozinhas dadas no cinema e agarrões na escada de incêndio. Era o início das fitas gravadas com a trilha da nossa história e de uma saudade doida que eu nunca tinha sentido. Lembro que os adultos duvidavam do meu amor e eu ficava enlouquecida. Tudo o que eu mais queria era envelhecer correndo pra que o “Felizes para sempre” chegasse logo.

Nosso namoro durou dois anos. Quando terminou, achei que eu fosse morrer. Chorei até ficar cansada, emagreci, escutei obsessivamente o mesmo álbum do Tim Maia pra embalar a minha fossa. Mas aí aconteceu uma coisa inesperada: eu sobrevivi. E ter sobrevivido, para mim, foi tão definitivo quanto ter amado. No dia em que eu descobri que amor não mata, eu fiquei mais cética em relação a toda aquela loucura e passei a encarar aquela empolgação como algo passageiro. Passei a usar com mais cuidado o sempre e o nunca, entendi que a gente muda, aprendi do pior jeito que aperto no peito não era só uma metáfora.

No dia em que eu descobri que o amor não mata, eu parei de morrer por amor, mas hoje, sem querer eu escutei aquela música. Fui arremessada para janeiro de 98 e consegui me lembrar exatamente como me sentia. Deu vontade de voltar no tempo só pra poder cochichar: "cruza essa ponte, querida, e vive a parte mais mágica da sua vida. Não se culpe, não se desculpe, porque isso não volta. Pode ser que não seja amor, que seja paixão, mas não importa. Aproveite o que você está sentindo. Perto desse fogo de artifício, todo o resto parecerá um estalinho."

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Estava na minha cara

Pedi um conselho. Mal terminei a frase já era possível prever a resposta. Aquela história estava capenga demais para parecer um bom começo. Não que faltasse carinho, mas faltava um interesse real pela vida do outro. Não tinha nem de perto aquela urgência dos beijos que eu vejo no metrô e me fazem invejar qualquer amor de oitava série. Era uma história cheia de dúvidas, com muito mais inbox que olho no olho, daquelas que a gente conta começando com um "então". E, então, resposta era não. A verdade estava na minha cara e eu não percebi.
Quem dera o enigma fosse mais complicado. Que exigisse complexas associações para justificar as horas que eu perdi confabulando, interpretando emoticons, investigando exclamações, calculando os minutos entre o visualizado e a resposta na insistência de encontrar algum sentido. Quando a memória parece feita de retalhos, a gente costura onde dá. E ainda inclui as amigas para brincar de detetive. O Whatsapp sabe o quanto somos criativas. Haja imaginação para desvendar o significado oculto, aquela velha ladainha dos sentimentos oprimidos que a gente conta pra se proteger. "Ele está se sabotando" sussurra secretamente o meu ego, que até hoje não sei se é mesmo muito convencido ou só pouco inteligente.
Tem alguma coisa errada quando exige tanto esforço. Porque o amor é qualquer coisa, menos uma queda de braço. Deveria ser mais fácil, mais solto, inútil se moldar para parecer sob medida. A essas alturas, a gente já se conhece e sabe quão instigante pode ser a dor de orgulho ferido. A nossa vaidade é traiçoeira: faz parecer fracasso abrir mão do que não está na nossa mão e torna difícil enxergar o que está na nossa frente. 
Não sei. Às vezes, a verdade deve ser como um nariz.

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Solidão



Acordou sem querer sair da cama e seguiu sem querer ficar. Descobriu pela janela um dia branco. Checou o telefone igual no quarto que dividia com carregadores e livros. Era mais um sábado quieto no décimo nono.

Olhou os riscos no chão de taco e o brilho fosco da madeira revelou o rastro de algum produto de limpeza. Cumprimentou o espelho antigo e reparou seu rosto diferente. O passar do tempo havia lhe cavado vincos na bochecha. “Tem um parêntesis no meu sorriso“, pensou em voz alta.

Sentou-se de pernas cruzadas no sofá e, por falta de vontade, continuou de pijama. Mexeu seu café com as costas do garfo e formulou para si que solidão era uma tristeza que dava muita preguiça. Era quando a louça se acumulava na pia e as roupas formavam montanhas tortas sobre as cadeiras. Era quando a mesa se enfeava dos papéis desimportantes, recibos dobrados e sacolas que já não traziam nada. Era quando o pó se organizava no caminho das esponjas sem incomodar. Era simplesmente deixar tudo como estava e ir vivendo pelos meios até que se encontrasse, de novo, alguma graça.

Solidão, para ela, era não ter nenhuma pressa. Era essa angustia demorada, essa neurose morna que não ia embora. A cabeça repetia perguntas sem resposta. Por mais que se esforçasse, cansava logo dos programas de TV e se perdia com a vista da janela. Era altura demais para não se sentir miúda e gente demais para não se sentir muito só.

Pensou nas pessoas queridas olhando as fotos da geladeira. Releu novamente os bilhetes para se sentir importante. Lembrou como era difícil, nesse momento, eleger algum sonho como seu. Solidão era essa ânsia por companhia que a acompanhava desde sempre. Era essa autopiedade que a engolia. Era esse tédio que ela vomitava. Era saber que não era esperada. Era essa sensação de que, em alguma esfera da sua vida, ela precisava ser salva. Solidão era o que a fazia andar sem roteiro e desejar de volta o tempo em que o sorriso não era só mais uma marca.


sexta-feira, 12 de junho de 2015

Um tempo em que ninguém tem tempo.


Coloquei a minha vida num liquidificador. Essa é a minha impressão. Parece que pisquei é passou meio ano. Tenho batido meus dias de modo que já não sei mais quando começa um e o outro termina. Perdi um pouco do meu brilho nesse picadinho. Empenhei tanta energia no trabalho, dei tanto espaço, que agora me encolho no que sobrou.

Tenho me deixado pra depois como as fotos que eu preciso revelar, as barras das calças que eu dobro, a consulta no dentista, no oftalmologista, no ginecologista e em todos os outros istas que eu preciso, o inglês que me atormenta, os primos e tios que eu adoro, mas que eu veria imediatamente se e somente se estivessem no hospital.

Fiz da minha cabeça a primeira gaveta da cômoda, onde guardo tudo que eu não posso perder, mas não tenho tempo de organizar. Ando assim fragmentada, desatenta, com medo de me perguntar mais seriamente como estou me sentindo. Reparei que não percebo quando meus colegas saem de férias e quase não converso com quem realmente importa. 

Nessa sucessão de desencontros, parece que virei meus olhos para dentro. Tenho um milhão de dúvidas e só duas certezas: cheguei onde cheguei por escolha e tenho outras escolhas além daqui. A parte que eu não sei é se, no fundo, eu estou sendo impaciente.

Desde que surgiram as telas, os minutos passam mais acelerados. Substituímos qualquer espera por Facebook e Whatsapp. Eu não sei até que ponto isso é saudável, até que ponto é produtivo, mas como ando permanentemente entretida, resolvi deixar essas perguntas pra depois.

Vou vivendo na ilusão de que me sobra muito tempo. Mas é bem capaz que eu pisque e a gente esteja no Natal.



segunda-feira, 25 de maio de 2015

perdi.

Certo é uma palavra estranha.

Expressa o que é certo e o que é indefinido. 

Quando eu falo um certo olhar, ninguém sabe exatamente que olhar é esse, 

mas sabe que não passou despercebido. E é exatamente assim, 

desse jeito impreciso, que eu sinto que você é certo. 

Sem nenhuma certeza absoluta, sem nenhuma promessa, 

você pareceu diferente no meio de tanta gente comum.

Como uma música que eu quero aprender ou quadro que me inquieta, 

você me interessa. De ti eu não quero um abraço, 

queria um pezinho para a tua imaginação 

porque é lá que eu te acho mais bonito. 

E eu tenho pensado muito,

tenho brigado contigo enquanto lavo o cabelo. 

Eu, que me achava tão sensata, perdi a coerência 

e a falta de paciência me faz querer abrir mão. 

Queria poder te forçar a sentir minha falta, como se fosse possível. 

Queria parar de pensar, como se fosse provável. 

Tenho contado os minutos para fugir do que eu sinto porque dói. 

Faz algumas semanas que passei a te olhar diferente.

E a ideia de te esquecer não sai da minha cabeça.


terça-feira, 7 de abril de 2015

Fê mandou mensagem e eu comemorei.


Fê mandou mensagem e eu comemorei. Festejei alegremente o fim daquela angústia que já durava 14 dias. Finalmente, chegava a mensagem a qual esperei ansiosamente e que matou pouco a pouco minha autoestima todas as vezes em que olhei o telefone só para constatar a sua falta.

Fê mandou mensagem e eu comemorei, mas segui o protocolo e ele nem ficou sabendo. Respondi com certa indiferença, como se não tivesse notado a demora. Porque quem demonstra fica em desvantagem. Pelo menos comigo tem sido assim. Parece ser um erro gravíssimo supor qualquer intenção que se prolongue além das próximas horas. Por mais que a noite seja boa e a conversa flua, convém manter as esperanças em cativeiro a fim de liberá-las somente quando haja alguma garantia.

Hoje em dia, parece errado querer. As revistas exaltam o poder das mulheres, mas o que eu sinto é que estamos espremidas no meio de tanta cobrança. Tão infalível quanto a pressão do casamento, é pressão pra que sejamos independentes e exageradamente felizes o tempo todo.

As pessoas repetem o clichê de que é preciso ser feliz sozinho e eu continuo perplexa. Preciso de tanta gente. Felicidade pra mim é casa cheia, barulho, compartilhamento. Gasto mais tempo do que eu gostaria pensando no amor e até bem pouco tempo não entendia por quê. Percebi, depois de muito relutar que, apesar de toda modernidade e tantas mudanças, me agrada muito a ideia de ter uma família.

Resolvi então começar um movimento pela libertação feminina falando a verdade, a começar por mim. Preciso ser mais prática para descartar aquelas relações que já começam pro lado contrário, onde há muito pouco espaço para trocas. Eu não sei se vai dar pra entender, mas coloquei como meta ser menos tolerante nas situações onde eu não possa enxergar ou ser vista como uma pessoa inteira. Se gostar é proibido eu não quero, não porque eu tenho um coração mole, e eu tenho, mas porque não faz mais sentido essa sequência de vazios.

É muito provável que eu esteja tentando replicar o modelo que aprendi como certo. Talvez eu tenha visto os filmes errados ou prestado muita atenção nas letras das músicas, mas a verdade é que não vejo problema em comemorar as mensagens do Fê. Espero, inclusive, que ele também se alegre com as minhas.



quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Déjà vu



Já tinha visto Paraty nos filmes. Um rio límpido cortava a cidade, uma paisagem de quadro com montanhas ao fundo. As casas históricas, as estradas de pedra, parecia viver em outra época a Paraty dos meus sonhos.

Ainda que tenha conseguido reconhecer alguns enquadramentos muito favoráveis no centro histórico, com suas portas coloridas e suas janelas retas, ainda que tenha provado as cachacas mais docinhas e me encantado com a simpatia do povo, não posso dizer que encontrei a Paraty que esperava.

A natureza surpreende, verdade, mas o que reconheci, de primeira, ao saltar na rodoviária depois de 14 horas de viagem, foi uma cidadezinha do litoral do Brasil. Não é a primeira vez que tenho a sensação que as cidades da nossa costa são gêmeas. Tanto em suas bênçãos, quanto em suas dores, parece que cumprem, no improviso, o mesmo padrão.

Por toda a extensão do oceano parece combinado que toda beleza natural será contraposta pela desorganização humana e que para cada pousada boutique surgirão dez artesãos de flores de palha. Buffers de sorvete serão estrategicamente posicionados entre lojas de biquini, tendas de canga e comércios de R$ 1.99. Segundo a tradição, pediremos caipirinha, comemoraremos chorinhos nas batidas, nos renderemos a coxinhas embanhadas e pastéis de 30 cm. Reconheceremos uma alegria singela nos olhares das pessoas, nas havaianas enfeitadas, nos artesanatos de concha e garrafinhas de areia desenhada com o nome do lugar. Seremos assediados por panfletos de passeio de escuna, recusaremos sinceramente panos de prato, colares de semente e brincos de pena. Olharemos com pena para as índias sentadas chão. Procuraremos uma moeda para as crianças. Nos impressionaremos tanto com o mar quanto com a supervalorização da batata frita. 

Relembraremos verões antigos com as anti-higiênicas descargas de cordinha e os cardápios em pasta de papel de carta nos farão repensar que ano estamos. Por todas as cidades que conheço, salvo raríssimos quilômetros de exceção, andaremos por calçadas desalinhadas, margeadas pela areia que toma os cantos do asfalto, do mato que toma a grama, da lama que toma tudo cada vez que chove. Barracas decoradas com frutas da estação anunciarão drinks com nomes eróticos e, longe dos camarotes e vodkas importadas, nos sentiremos premiados com uma Smirnoff de verdade. 

Quando penso nas cenas que se repetem, vejo biscoitos de polvilho e doces da fazenda. Olho para a moda duvidosa das saídas de banho e sinto como se vivesse no jogo da memória. Amanhã de manhã, depois de aceitar a contragosto o taxímetro desligado e trocar minha passagem num terminal calorento, confirmarei para mim mesma minhas impressões sobre Paraty. Consigo supor as paradas da volta: os restaurantes na beira da estrada, a catraca na porta, a caixinha do banheiro, os pedaços de papel higiênico fracionado. Levo um sentimento agridoce. É uma mistura de atraso, desleixo, melancolia e infância. Como ocorre com as cidades gêmeas, deixo Paraty sem muita saudade. Sei que poderei reencontrá-la em outras viagens.


segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Confissões de uma stalker


Se você não tem motivo para enlouquecer, é porque não procurou direito. Releia aquele e-mail aparentemente inocente e tente interpretar aquela piscadinha no final. Se era amiga mesmo, por que não um sorriso? Verifique o Whatsapp. Esqueça a caixa de mensagens, falo dos números bloqueados. O telefone de lá coincide com aquela ligação que ele jurou que era engano? Confira então as mensagens do telefone. Se encontrou uma pasta vazia pode ter certeza: tem alguma coisa muito errada.

O provérbio estava certo: quem procura sempre encontra. Mas já aviso logo: muito raramente é uma traição. É mais provável que seja uma razão pra se incomodar, para perder um sono, pra brigar à toa. Quem procura direitinho vê significado onde não existe e usa o amor como desculpa para matar a privacidade. Quem procura fica ali, desconfiada, se escondendo no banheiro pra fuçar o telefone, torcendo pelo dia em que ele esqueça o Facebook aberto com o login conectado. Quem procura nunca descansa. Fica na espreita, naquela ilusão de controle, na esperança de um dia poder dizer "tentaram me enganar, mas eu descobri".

Na obsessão de comprovar histórias mal contadas, a gente enlouquece por besteira e subestima o dano. Confundimos esperteza com insegurança e nem percebemos a hipocrisia de julgar conversas que não são nossas. Esquecemos que nossos papos entre amigas também seriam censuráveis e nos achamos no direito de analisar tendenciosamente frases fora de contexto. Parece que precisamos de prova para poder ir embora, quando a desconfiança por si só já seria um bom motivo.

Eu, que me orgulhava tanto das minhas táticas, hoje eu vejo o quanto eu perdi meu tempo. O que segue agora não é um conselho: é um alerta que eu daria pra mim mesma uns anos atrás. Antes de abrir qualquer coisa que não seja sua, cogite descobrir algo que você não possa perdoar. E depois terá que perder, mesmo com todo amor do mundo. Cogite descobrir algo que o outro se arrepende, e passar a vida inteira remoendo um erro que serviu de lição. Saiba que toda frase ambígua pode virar um tormento e tenha bem claro pra si que esse tipo de atitude já é, indiscutivelmente, uma agressão.

Olha que contraditório: o medo da traição nos transforma em alguém em que não se pode confiar. Deixamos o papel de cúmplice para o da investigação. Rompe-se a amizade, instaura-se um inquérito repetitivo e desnecessário. Poupe quem você gosta e a sua felicidade. Se você não tem um motivo pra enlouquecer, aproveite sua paz. Em vez de fuçar no banheiro, volte pro quentinho da sua cama. Desista de uma vez por todas da certeza absoluta. Se existem segredos escondidos, não cave um túnel até eles. Contente-se com a sua fé, com a sua intuição e conforme-se com aquela perspectiva terrivelmente verdadeira que a gente faz questão de ignorar: não somos inocentes. Somos humanos.



sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Finalmente

Quantas vezes eu te imaginei na minha porta.
Você estaria sentado no meio-fio, apoiando os cotovelos no joelho,
muito provavelmente fumando um cigarro.

Você me esperaria de cabeça baixa,
como quem pesquisa alguma novidade nas ranhuras da calçada
ou se entretém com o plástico duro na ponta do cadarço.

Eu chegaria e de longe reconheceria a tua sombra,
teu jeito de tirar o cabelo do olho como quem pede licença.

A alegria viria misturada de surpresa
e eu daria os próximos passos tentando me prevenir
 da felicidade que me avança quando lembro de ti.

"Não é ele."
Repetiria para mim sem pressa de confirmação,
na tentativa de fazer aquele fiapo de esperança durar mais um pouco.

"Não é ele."
E reconheceria o ângulo do teu pescoço e a proporção dos teus braços.

"Não é ele."
E chegaria mais perto.
Mais perto.
Mais perto.
Do teu lado.

Você nota a minha presença e tira os fones de ouvido.
Ri como se não tivesse planejado o próximo passo.

Eu seguro em ti e me agacho, levo a minha cabeça em direção a tua.
Enxergo teu olho de perto.
Finalmente, estamos na mesma altura.
No mesmo tempo.
Ocupando no universo o mesmo metro quadrado.

Te abraçaria emocionada e agradeceria quieta.
Agora sim está tudo bem.


sábado, 3 de janeiro de 2015

O melhor do amor é ficar crua.

É dificil completar a vida quando falta amor.
Dançar é bom, sair é divertido,
mas melhor mesmo é abrir o olho e encontrar com alguém que a gente gosta muito.
Melhor é poder ser sem tanta trava, é poder se mostrar crua pra quem a gente confia.
E crua não é pelada.
Crua é pelada também.
Crua é aquela liberdade que só a intimidade dá,
é poder estar ali com nossos medos,
é quando eu assumo todos os nós do meu cabelo
e esqueço as minhas pernas em cima das tuas.
Pergunto sobre as mesmas cicatrizes para escutar as histórias
que depois esqueço enquanto decoro as pintinhas escuras do teu olho.
Você me fala uma bobagem e eu posso gostar sem falar nada.
O silêncio chega mansinho como um vento de praia e envolve a gente reconfortante.
Você não precisa me agradar
e eu estou tranquila demais pra querer te convencer de alguma coisa.
Crua é aquele estado desejável onde corpo e pensamento
finalmente se encontram e eu estou ali querendo estar.
Crua é o que eu sou antes da identidade, antes que existisse um CPF,
é o que não mudaria se eu tivesse outro nome.
E é por isso que crua não é pelada.
Não bastaria tirar a roupa.
É preciso tirar a armadura,
se despir de todas as ilusões
e ter a felicidade de se achar nesse momento memorável
em que apenas existir é suficiente.

Ontem eu achei um emprego. Hoje eu pedi demissão.

Ontem eu achei um emprego. Hoje eu pedi demissão. Vou explicar o motivo para que vocês se saiam melhor do que eu. Desemprego mata a aut...