quarta-feira, 25 de abril de 2012

"Mundo real, princesa" ou "Conselhos pra mim mesma"


Faz um ano que eu sentei na cadeira do salão de beleza e falei: pode pintar. Depois de 14 anos muito loira a minha vida precisava de mudança. Por dentro eu já me sentia diferente e escurecer o cabelo foi a forma de sinalizar isso. Ou talvez tenha sido só uma tentativa inconsciente de mudar de assunto: em vez dos detalhes do fim de um relacionamento, falaríamos de pontas duplas, tintas e descolorações.

Foi bom me ver diferente. A Sarah das fotos já não era eu. Sabia que demoraria para me acostumar com o novo look "Branca de Neve", mas jamais imaginei que esta seria apenas a primeira de uma série de transformações.

Terminar um namoro longo é abandonar a zona de conforto e se lançar numa partida de futebol aos 20 minutos do segundo tempo: ninguém para pra te explicar o que está acontecendo, nem pra te esperar entrar no ritmo.

Você se sente desatualizada. Cinco anos depois as músicas mudaram, as baladas mudaram e, na falta de uma amiga pra colocar o seu nome na lista, lá está você de volta na fila.

Suas técnicas de sedução estão totalmente out e você nem se lembra mais de como começar um papo leve com alguém. Espantar gatinhos passa a ser a sua especialidade: em quatro linhas de conversa você se dá conta que optou falar sobre os maiores dilemas da sua vida, quando seria muito mais inteligente perguntar se ele tem um cachorro.

Também é possível que surjam lembranças incômodas quando o assunto incluir datas comemorativas, viagens e feriados em geral. Você e seu ex estavam juntos provavelmente. Num lugar legal provavelmente. E você vai morrer de saudade muito provavelmente.

Lembre-se de evitar esses assuntos, porque a saudade é inevitável. Ela virá quando você menos espera. Numa terça-feira aparentemente inofensiva, numa festa absurdamente boa, num final de filme. De vez em quando, no meio de um congestionamento, você olha pro banco do carona e lá está ela, sentadinha, olhando para você.

Sinta a saudade, mas fique atenta para a confusão que ela costuma causar. Sentir saudade não significa que você não possa esquecê-lo, nem que você ainda o ama, nem que vocês devem ficar juntos para sempre. Significa que o passado foi bom. E o passado costuma parecer melhor ainda diante de um presente tão esquisito.

No começo é estranho, mas aos poucos você percebe que ficar sozinha também tem suas vantagens. O mundo fica bem maior. Agora a vida não é só você, seu amor, suas amigas e os amigos dele. Sair da bolha ensina um monte de coisas. Você vai aprender a se mostrar mais interessante, a se sentir mais segura perto de semi-conhecidos, a ser mais paciente com as situações e mais tolerante com os outros.


A música é horrível mas suas amigas estão adorando? Dance também. O cara é legal, mas não tem o menor potencial para ser o amor da sua vida? Nada impede que você vá ao cinema com ele. Arrisque-se, divirta-se, e principalmente, valorize-se. Aproveite que você não está apaixonada e não se coloque em situações que você não aprova.


Se você quiser encontrar o amor da sua vida na balada, vá em frente. Mas por favor, seja realista: mesmo que o estilo, a voz e a cor do olho fecharem com o cara dos seus sonhos, ainda falta todo o resto para que ele seja o cara dos seus sonhos. Não construa esse cara na sua cabeça enquanto você espera ele ligar.


Às vezes você se sente ótima, às vezes você torce para que o fim do mundo esteja perto. Faz parte. Quando as coisas parecerem horríveis, redimensione o drama. Se precisar falar com o seu ex, ligue. Se precisar desligar na cara, só não coloque a culpa em mim.

Dar tempo ao tempo é entender que você não precisa resolver toda a sua vida até o próximo final de semana. Enquanto o tempo não passa, não se leve tão a sério. Ocupe-se, saia ou alugue um filme para ver sozinha de pijama se estiver a fim.

Aproveite a sua liberdade para descobrir quem você é e ignore tudo que eu disse se não for o que você quer ouvir agora. Os primeiros meses são os mais complicados. É um tempo turbulento e cheio de mudanças. Lembro que um ano atrás eu nem sabia por onde começar.

Só agora eu vejo que comecei pelo cabelo.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Querida ponte,

Hoje no meu trabalho falaram mal de ti.
Disseram que estavas podre e deviam te destruir. 
Colocar outra no teu lugar. 
Uma mais moderna, mais barata e talvez até mais bonita.

Concordei em parte. 
Porque gosto de ti não te vejo podre, apenas fraca, 
mas até aceito que te derrubem desde que se 
derrube contigo tudo que é podre no mundo.

Acho pertinente começar por aqueles que
te deixaram tão debilitada. Os que inverteram os diagnósticos,
falsificaram teus remédios e te prestaram um tratamento de terceira
quando todos nós aqui concordamos que merecias o melhor. 
E pagamos por isso.

Eu não sei de quantos renomados engenheiros, técnicos 
e administradores estamos falando, mas estes foram os mestres. 
Viram na tua doença uma forma de ganhar dinheiro fácil. 
Te prometeram a cura, recomendaram repouso, 
mas nos enganaram também.

Enquanto estávamos longe te quebraram os joelhos. 
Para nós, mandaram apenas o recado e o número da conta: 
¨O caso é grave. Ela mal consegue ficar de pé¨.

Assinamos outros cheques e nenhum de nós quis saber o valor.
Só te queríamos de volta, inteira, como antes.
O problema é que a essas alturas os mestres já não estavam sozinhos.
O conhecimento da rentabilidade das tuas fraquezas tinha se alastrado.
Centenas de aprendizes aplicavam agora em ti 
as mais dolorosas técnicas da antimedicina:
cortavam os tendões para costurá-los depois, 
arrancavam tuas unhas, esmagavam os dedos para então desentortar.

Nos víamos cada vez menos e, com o passar dos anos,
fomos perdendo a esperança. Os cheques continuavam saindo,
mas não melhoravas nunca. Começamos a desconfiar que havia
alguma coisa errada e fomos te visitar depois de tanto tempo.

Foi triste quando vimos teu estado.
Ficamos totalmente desorientados.
Precisávamos agora encontrar outros médicos, 
tentar novos tratamentos.
Marcamos de nos encontrar na semana seguinte,
depois na próxima e na outra,
até percebermos que estávamos ocupados demais 
para tomar qualquer decisão.

Optamos então por uma medida paliativa: 
contratamos uma maquiadora ótima que escondeu 
todas as tuas escaras com lâmpadas da mais alta tecnologia
e resolvemos deixar assim mesmo.

A verdade é que não temos tempo para cuidar de ti,
mas como bons filhos que somos, continuaremos assinando os cheques.
E é por esse motivo que eu concordo que te derrubem 
desde que se derrube contigo tudo o que é podre no mundo.


Cairemos juntas, querida.








domingo, 15 de abril de 2012

Xeque-mate


Tinha se mudado de São Paulo fazia 4 meses.
Aquela violência não era mais para ela. 
Trocou a insegurança da cidade grande por uma casa
térrea no Rio Tavares. Ou melhor, por um quarto
numa casa térrea no Rio Tavares.

Agora Carol dividia a sua rotina com Elisa,
uma nutricionista daqui.
Moravam juntas. Mais que isso.
Iam juntas pro trabalho, comentavam a novela e saiam
quase todo final de semana até dois meses atrás,
quando Elisa começou a namorar Jorge,
um cara de Brasília.

E foi por causa do Jorge que o telefone tocou naquele
domingo de Páscoa.
Carol tinha ido a São Paulo visitar os pais e já estava
embarcando de volta quando Elisa ligou,
dizendo que o namorado estava vindo para cá 
e chegaria no aeroporto quase no mesmo horário.
- Será que você não pode dar uma carona pra ele
enquanto eu fico aqui fazendo uma jantinha?

Claro que sim. Nunca o tinha visto pessoalmente, mas
no enorme desembarque do Hercílio Luz,
reconhecê-lo não seria muito difícil.
Além do mais, como a rua delas ainda não estava no
mapa, pegar um táxi era sempre uma odisseia.

Jorge chegou. Foram para casa e, quando chegaram lá,
a janta ainda não estava pronta. 
Carol preferiu deixar o casal a sós e foi para o quarto.
Aproveitou que o computador estava ligado e conferiu o
Facebook. Entre uma conversa e outra, resolveu
dar uma olhada no site da Folha. Enquanto lia as
manchetes, seu olho esbarrou em uma imagem
conhecida. Uma imagem não, um retrato falado.
Era Jorge, acusado de esquartejar uma moça chamada
Ludmila, numa cidade perto de Brasília.

Duvidou de si. Não podia ser.
Era. O mesmo olho grande, o sinal perto da boca 
e uma ex-namorada com um nome tão difícil
de esquecer.

O primeiro impulso foi chamar a polícia.
Trêmula, discou 190 e por um instante esqueceu que o
celular não pegava no quarto. Foi pra rua, ligou de novo
e quase não acreditou quando o policial respondeu
que não podiam fazer nada porque o endereço
não constava no sistema.

Não era hora de discutir. Cogitou ir embora sozinha, mas
deixar a amiga ali não parecia muito certo.
Precisava tirá-las de lá. E logo.

Entrou em casa de novo, angustiada. Encontrou Elisa
radiante, com duas passagens na mão.
– Adivinha: tô indo para Miami amanhã!
   Eu não sabia de nada, o Jorge fez surpresa...
Elisa estranhou o silêncio da amiga.
– Tá branca, Carol? O que foi?
Carol arriscou uma saída improvável.
– Sabe o que é? Não tô passando muito bem,
numa dessa a gente vai jantar num japonês...
– Imagina, guria, tá tudo pronto. Come essa saladinha.
Se bem que a carne tá uma delícia...

Carol olha para Jorge e lá está ele, cortando a carne.
O cenário parece ainda mais assustador.
Álcool, fogo, facas.
Sim, facas.
Tem a ideia que pode tirá-las de lá.
Nem tão pequeno que não precisasse levar pontos,
nem tão grande que a fizesse desmaiar.
Inventa uma caipirinha e talha o próprio dedo.
Calcula mal. O corte fica mais para grande.

Assustada com o sangue Elisa enrola a mão de Carol
numa toalha e vão rápidas até o carro.
Jorge diz que prefere ficar.
Elisa insiste. Ele acaba indo junto.
No hospital, entram só as duas. 

Carol finalmente conta pra Elisa o que está acontecendo.
Elisa respira fundo, passa a mão no cabelo e comenta
enfática:
– Então, amiga... Tô até aliviada.
   Essa Ludmila tava nos incomodando tanto...

Ontem eu achei um emprego. Hoje eu pedi demissão.

Ontem eu achei um emprego. Hoje eu pedi demissão. Vou explicar o motivo para que vocês se saiam melhor do que eu. Desemprego mata a aut...