segunda-feira, 28 de outubro de 2013

A última infância


Andei na roda gigante. Tinha cinto de segurança.

Estranhei a novidade, embora tenha achado bem prudente. 

Quando eu era pequena, a gente não usava cinto nem 

no banco da frente. Olhando tudo lá de cima, 

lembrei da minha infância e percebi que 

o politicamente correto nasceu depois de mim.


Colecionei papéis de carta, álbuns de figurinha, 

rótulos de cerveja e maços de cigarro. Pra desespero da minha mãe,

 lembro de chegar da praia com uma sacolinha cheia 

de maços fedorentos e comemorar com o meu irmão

a felicidade de achar um Charm quase intacto

depois de tanto Derby amassado.


Ralei muito joelho, roubei araçá no vizinho, 

joguei taco em rua que passava carro. 

Brinquei de dardo com ponta, caí de Mobilete, 

meu jogo preferido era Alquimia, 

que vinha com gaze pra colocar álcool 

e esquentar o tubo de ensaio. 


Nasci antes do "sem glúten e sem lactose", 

com menos opções de porcarias e criancinhas sedentárias.

Um mundo sem adoçante e de mais suco feito em casa. 

Nasci antes da classificação indicativa 

e dos desenhos tão violentos.

Sou bem mais velha que a lei seca.

Meu tempo foi tão sem noção que o mesmo Gugu 

que anunciava o Pintinho Amarelinho 

também apresentava o concurso da Gata Molhada, 

no Sabadão Sertanejo. 


Lembro da minha mãe tampando meu olho 

nas “cenas fortes” da novela e, pelo menos lá em casa, 

sexo era um assunto bem enigmático. 

A oferta de conteúdo era mais limitada, 

restrito à seção de perguntas da Capricho. 

Uma vez, fiquei curiosa pra descobrir o que era masturbação 

e fui olhar no dicionário. Me arrepia pensar que 

hoje essa busca seria feita no Google Imagens.



Não é que o mundo tenha ficado pior, claro que não. 

Todo esse desenvolvimento trouxe vantagens 

que não caberiam em um parágrafo. 

O que eu queria dividir aqui não é o saudosismo, 

mas essa esquisita sensação de que, 

apesar de todos os excessos, estávamos mais protegidos.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Ah, a conversinha...


Vão me chamar de louca, ciumenta, neurótica e

existe uma grande possibilidade de que estejam certos. 

Pode ser também que toda a minha teoria 

não passe de uma desculpa para mascarar 

minha insegurança ou a minha necessidade 

de controle sobre a vida alheia. 

Mas não é assim que eu vejo. 

No meu ponto de vista provavelmente deturpado, 

a infidelidade propriamente dita não começa na balada 

ou naquela viagem com os amigos. 

Perigo mesmo é a conversinha.


Conversinha é aquele xalalá despretensioso 

que faz a alegria da gente nas noites online. 

O gatão da academia que te adiciona e engata um papo 

sobre fotografias no Tibet, ao qual nos mostramos 

super interessadas, mesmo sem saber muito direito 

onde fica o Tibet. Pode ser também aquele papo 

mais inteligente sobre música, que me faz repensar 

a expressão salva pelo gongo por salva pelo Google, 

já que é pra lá que a gente corre antes de falar uma besteira. 

O vencedor é aquele papinho cotidiano  “tá sumida”, 

“por onde anda”, que, embora não declarado, 

deixa algumas intenções implícitas entre um heheh e um ;)



Qualquer mulher é capaz de perceber a diferença 

entre conversa e conversinha. Conversinha tem pouco a ver 

com uma amizade. A intenção dos caras é deixá-la em stand-by

até o dia em que, eventualmente, ele te chama pra dar uma volta.

A nossas intenções são exatamente iguais, 

e é por isso que, entre os comprometidos, 

conversinha vira problema.


Vira problema porque a conversinha é uma delícia. 

Faz a gente lembrar o quanto somos interessantes. 

O papo é leve, tão divertido que às vezes parece

 que não tem problema deixar transparecer algumas ambiguidades. 

Para as mulheres, tem a ver com vaidade, com testar o sex appeal. 

Para os homens, acho que tem a ver com voltar à ativa, 

fazer moral com os amigos ou provar pra si mesmo 

que continua irresistível. Alguns escracham. 

Os mais inteligentes permitem apenas supor alguma probabilidade. 



O problema é que, quando duas pessoas

tentam se mostrar muito interessantes 

uma para a outra, elas realmente se interessam. 

Dependendo do tamanho da afinidade e do espaço 

que sobra no tal “relacionamento sério”, 

esse papinho borracha desperta uma curiosidade 

que não dá pra descrever. 

Pensando racionalmente, faz bastante sentido. 

Atração não é qualquer coisinha. 

É uma força poderosa e bem mais 

antiga que a tendência à monogamia. 

Vem nos protegendo da extinção há mais de 150 mil anos. 

Colocou 6 bilhões de pessoas no planeta Terra. 

Pra mim, é fato: quem fica de conversinha 

uma hora vai querer levar pra conhecer a caverna.



... E se me chamarem de maluca,
eu vou dizer que é só ciência.





Ontem eu achei um emprego. Hoje eu pedi demissão.

Ontem eu achei um emprego. Hoje eu pedi demissão. Vou explicar o motivo para que vocês se saiam melhor do que eu. Desemprego mata a aut...