quarta-feira, 18 de julho de 2012

De VIP, só a fitinha.



Deve sair em 15 minutos, mas a senhora pode esperar 

na nossa sala VIP.

– Sala VIP?

– Sim, a nossa sala VIP – reafirmou orgulhoso, apontando

   para o letreiro iluminado da autoviação catarinense. 


Saí achando graça. Comprei uma passagem interestadual 

por R$ 16,90 e agora sou VIP. Meu ônibus tem oito paradas

 até chegar em Blumenau, mas agora eu sou VIP.  Ai que fina, 

com as mãos meladas de sunday desfilando minha botinha cano

baixo no piso emborrachado do Terminal Rita Maria.


Entrei na sala onde os outros VIPs me aguardavam. 

Todos sentados. Relativamente confortáveis. Água e café à vontade.

TV ligada, muito maior que a minha. 

Parei para pensar nas últimas festas em que eu fui VIP. 

Era hora de rever conceitos.


Para quem não conhece Florianópolis, esse parágrafo merece

 uma explicação. Essa é terra das pistas vazias e camarotes lotados. 

Não sei se por uma ilusão de nobreza ou conforto, mas todo mundo

aqui é very important. Embora a sigla faça bastante sucesso, 

a verdade é que nunca significa muito.


Normalmente, uma fitinha no pulso permite que você frequente 

lugares criticamente povoados. Às vezes existem sofás, 

às vezes um degrau ridículo já é o suficiente para que a gente 

se sinta superior. Nos casos mais graves,  toda a comodidade

se resume a uma mesinha minúscula para apoiar a bebida. 

Tudo caríssimo, claro.


Imagino a conversa entre o arquiteto e o homem de negócios:

– Visto o caimento dos telhados, em forma de chalet, pensei em

   colocar um armário para aproveitar as laterais.

– No segundo andar? Mas essa é a Pista Premium.

– Premium? Não cabe uma pessoa em pé. E as laterais são abertas.

– Melhor ainda. Já consigo ver: Pista Premium Mezanino.

   Vai ser disputadíssima.


O cara tinha razão. Fiquei nesse camarote. Apelidei de 

“beliche de cima” devido à proximidade com o teto. 

Garçons passando acocorados. Pescoços torcidos. 

Claustrofóbica, resolvi dar uma volta na pista.

O arrependimento foi imediato. Suor, sufoco, sovaco.

Voltei orgulhosa para o reino do torcicolo 

e passei a valorizar cada milímetro.


Na hora de entrar, fui barrada.

A jaqueta estava tampando o meu pulso.

Levantei a manga pacientemente.

Nem tentaria argumentar.

Na terra dos vips como eu, o rosto não vale muito,

 o nome não vale muito.

Importante, importante mesmo, é a fitinha.  






quarta-feira, 4 de julho de 2012

Só queria estar com ele

Contou que viajaria e depois perguntou
se ela queria alguma coisa.

Queria.

Queria o próximo beijo,
queria mais um encontro,
queria poder encontrá-lo depois do trabalho 
sem nenhum mistério.

Queria tomar um banho.
Queria o sofá da sala,
Queria pedir uma pizza ainda com o cabelo molhado.

Queria voltar pra cama,
Queria deitar bem perto,
Queria fazer do abraço dele a sua concha.

Queria poder ir junto,
Queria a poltrona ao lado
Queria poder dividir o peso das malas com ele.

Queria muito.
Queria tanto.
Sabia que queria demais.

Repensou a lista dos seus desejos mais sinceros
e decidiu fazer alguns ajustes.

Pediu um imã de geladeira do lugar mais bonito.




segunda-feira, 2 de julho de 2012

Justa causa


Tremer a língua durante meia hora.

Essa foi uma das minhas promessas de réveillon.

Antes que alguém pense besteira, já adianto:

não é nenhuma dica do sexo tântrico,

mas o tratamento para o meu calo nas cordas vocais.


Simples assim.

Colocar a língua no céu da boca e fazê-la vibrar por meia hora.

Em três meses, o problema está resolvido. 

Parece fácil, né? Também achava.


Hoje penso diferente.

Tremer a língua? Impossível.

Em dois minutos eu cansei e já estou quase

me conformando em conviver com o calo.

Esqueço, canso, esqueço, esqueço, esqueço.

Os dias vão se amontoando e o calo cada vez maior.


Juro que não entendo.

A recompensa é valiosíssima,

o esforço é mínimo e mesmo assim 

eu insisto em ser tão negligente.


Parei para pensar nas minhas outras promessas

e percebi que quase todas são do mesmo jeito.

Academia, blog, menos Face e mais Book...

nada impossível, tudo irritantemente acessível até.

O problema é a tal da indisciplina,

que transforma qualquer cubo de gelo em iceberg.


A parte que me dá mais raiva é saber que se tremer a língua 

estivesse no meu contrato de trabalho,

eu jamais ia deixar passar. 

Se alguém da minha equipe estivesse dependendo disso, 

eu já teria resolvido há tempo.

Mas como é pra mim mesma, eu deixo. 

No "amanhã eu começo" já se passaram quatro anos.


Sou obrigada a admitir que sou uma péssima funcionária de mim mesma.

Mereço demissão por justa causa.

E digo mais:

Estou pensando em contratar o calo. 

Ele é tão dedicado...

Ontem eu achei um emprego. Hoje eu pedi demissão.

Ontem eu achei um emprego. Hoje eu pedi demissão. Vou explicar o motivo para que vocês se saiam melhor do que eu. Desemprego mata a aut...