quinta-feira, 23 de julho de 2015

Um amor de oitava série


Volto para 1998. É janeiro. Faz um dia bonito, daqueles em que a luminosidade muda a cor de todas as coisas, o céu ganha um azul amarelado e tudo parece suspenso pelo calor. Já passou do meio dia, volto da praia por uma rua onde não passa ninguém, com pele salgada de mar e os pés ardendo na calçada quente. Tenho 14 anos, uso argolas prateadas e um vestido verde bem curto esconde o meu biquíni.

Faz quase um mês e meio que as aulas terminaram e estou longe da cidade, longe da minha adorável internet discada, curtindo o marasmo das férias de verão. Ando empenhada em conseguir um bronzeado e clarear meu cabelo com chá de camomila. Volto pra casa sozinha e seria um dia perfeitamente comum, não fosse a minha irmã me esperando do outro lado da ponte perto do condomínio. Não, ela não tinha vindo me chamar para o almoço. Como toda boa irmã mais velha, precisava me avisar que ele tinha ligado.

Ele era o menino que eu gostava. Era por quem eu passava horas me arrumando na saída do colégio, exagerando no batom para parecer mais velha. Ele era quem eu espiava nos intervalos da aula e suspirava sozinha olhando a quadra. Ele me fazia tremer, me fazia esquecer o que eu ia dizer, me fazia passar vergonha de tão nervosa que eu ficava. Ele não me dava a menor bola, mas naquele dia me ligou. Disse que conseguiu meu telefone com uma amiga, que tinha lembrado de mim e me escrito uma carta. Disse que tinha coisas pra me contar e que eu deveria escutar uma música. Corri até o shoppingzinho para comprar o CD, mas não consegui aguentar o suspense e ouvi a letra nos headphones da loja. Era um pedido de desculpa que no final me perguntava se já era tarde.

Não era. Na verdade, era bem cedo. Aquilo era só o começo de uma avassaladora paixão adolescente, com beijos demorados, telefonemas intermináveis e apelidos constrangedores. Era o começo das tardes mais legais da minha vida, mãozinhas dadas no cinema e agarrões na escada de incêndio. Era o início das fitas gravadas com a trilha da nossa história e de uma saudade doida que eu nunca tinha sentido. Lembro que os adultos duvidavam do meu amor e eu ficava enlouquecida. Tudo o que eu mais queria era envelhecer correndo pra que o “Felizes para sempre” chegasse logo.

Nosso namoro durou dois anos. Quando terminou, achei que eu fosse morrer. Chorei até ficar cansada, emagreci, escutei obsessivamente o mesmo álbum do Tim Maia pra embalar a minha fossa. Mas aí aconteceu uma coisa inesperada: eu sobrevivi. E ter sobrevivido, para mim, foi tão definitivo quanto ter amado. No dia em que eu descobri que amor não mata, eu fiquei mais cética em relação a toda aquela loucura e passei a encarar aquela empolgação como algo passageiro. Passei a usar com mais cuidado o sempre e o nunca, entendi que a gente muda, aprendi do pior jeito que aperto no peito não era só uma metáfora.

No dia em que eu descobri que o amor não mata, eu parei de morrer por amor, mas hoje, sem querer eu escutei aquela música. Fui arremessada para janeiro de 98 e consegui me lembrar exatamente como me sentia. Deu vontade de voltar no tempo só pra poder cochichar: "cruza essa ponte, querida, e vive a parte mais mágica da sua vida. Não se culpe, não se desculpe, porque isso não volta. Pode ser que não seja amor, que seja paixão, mas não importa. Aproveite o que você está sentindo. Perto desse fogo de artifício, todo o resto parecerá um estalinho."

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Estava na minha cara

Pedi um conselho. Mal terminei a frase já era possível prever a resposta. Aquela história estava capenga demais para parecer um bom começo. Não que faltasse carinho, mas faltava um interesse real pela vida do outro. Não tinha nem de perto aquela urgência dos beijos que eu vejo no metrô e me fazem invejar qualquer amor de oitava série. Era uma história cheia de dúvidas, com muito mais inbox que olho no olho, daquelas que a gente conta começando com um "então". E, então, resposta era não. A verdade estava na minha cara e eu não percebi.
Quem dera o enigma fosse mais complicado. Que exigisse complexas associações para justificar as horas que eu perdi confabulando, interpretando emoticons, investigando exclamações, calculando os minutos entre o visualizado e a resposta na insistência de encontrar algum sentido. Quando a memória parece feita de retalhos, a gente costura onde dá. E ainda inclui as amigas para brincar de detetive. O Whatsapp sabe o quanto somos criativas. Haja imaginação para desvendar o significado oculto, aquela velha ladainha dos sentimentos oprimidos que a gente conta pra se proteger. "Ele está se sabotando" sussurra secretamente o meu ego, que até hoje não sei se é mesmo muito convencido ou só pouco inteligente.
Tem alguma coisa errada quando exige tanto esforço. Porque o amor é qualquer coisa, menos uma queda de braço. Deveria ser mais fácil, mais solto, inútil se moldar para parecer sob medida. A essas alturas, a gente já se conhece e sabe quão instigante pode ser a dor de orgulho ferido. A nossa vaidade é traiçoeira: faz parecer fracasso abrir mão do que não está na nossa mão e torna difícil enxergar o que está na nossa frente. 
Não sei. Às vezes, a verdade deve ser como um nariz.

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Solidão



Acordou sem querer sair da cama e seguiu sem querer ficar. Descobriu pela janela um dia branco. Checou o telefone igual no quarto que dividia com carregadores e livros. Era mais um sábado quieto no décimo nono.

Olhou os riscos no chão de taco e o brilho fosco da madeira revelou o rastro de algum produto de limpeza. Cumprimentou o espelho antigo e reparou seu rosto diferente. O passar do tempo havia lhe cavado vincos na bochecha. “Tem um parêntesis no meu sorriso“, pensou em voz alta.

Sentou-se de pernas cruzadas no sofá e, por falta de vontade, continuou de pijama. Mexeu seu café com as costas do garfo e formulou para si que solidão era uma tristeza que dava muita preguiça. Era quando a louça se acumulava na pia e as roupas formavam montanhas tortas sobre as cadeiras. Era quando a mesa se enfeava dos papéis desimportantes, recibos dobrados e sacolas que já não traziam nada. Era quando o pó se organizava no caminho das esponjas sem incomodar. Era simplesmente deixar tudo como estava e ir vivendo pelos meios até que se encontrasse, de novo, alguma graça.

Solidão, para ela, era não ter nenhuma pressa. Era essa angustia demorada, essa neurose morna que não ia embora. A cabeça repetia perguntas sem resposta. Por mais que se esforçasse, cansava logo dos programas de TV e se perdia com a vista da janela. Era altura demais para não se sentir miúda e gente demais para não se sentir muito só.

Pensou nas pessoas queridas olhando as fotos da geladeira. Releu novamente os bilhetes para se sentir importante. Lembrou como era difícil, nesse momento, eleger algum sonho como seu. Solidão era essa ânsia por companhia que a acompanhava desde sempre. Era essa autopiedade que a engolia. Era esse tédio que ela vomitava. Era saber que não era esperada. Era essa sensação de que, em alguma esfera da sua vida, ela precisava ser salva. Solidão era o que a fazia andar sem roteiro e desejar de volta o tempo em que o sorriso não era só mais uma marca.


Ontem eu achei um emprego. Hoje eu pedi demissão.

Ontem eu achei um emprego. Hoje eu pedi demissão. Vou explicar o motivo para que vocês se saiam melhor do que eu. Desemprego mata a aut...