quarta-feira, 13 de abril de 2011

Doloroso despacho do que me fez sua


Não torço para time nenhum.

Não vejo futebol.

Não sei, até hoje, a diferença entre lateral e tiro de meta.

Foi por todos estes motivos que respondi “Tanto faz”

quando o moço do posto de gasolina perguntou qual dos chaveiros

eu preferia.

Era o meu prêmio por trocar a água do radiador:

um chaveiro, uma caneta e um carrinho.

O homem então me entregou o pacote.

Secretamente, ele já havia escolhido por mim.

Era avaiano. O moço e o brinde.


Antes de me apoderar do presente, voltei atrás.

Revelei que preferia que fosse do Grêmio.

Minha solicitação foi atendida sem questionamento.

Sentei o brinde no banco do passageiro.

Os questionamentos ficaram todos para mim.


Porque, como eu falei, eu não me importo com futebol,

mas escolhi o Grêmio por causa dele.

Faz cinco anos que a camisa azul, preta e branca

é a preferida do fim de semana e

eu já perdi as contas de quantas vezes escutei

que ele não gosta do meu esmalte do Inter.

O problema é que não estamos mais juntos e, ainda assim,

escolhi o Grêmio.


Enquanto o chaveiro e o carrinho me olhavam,

na subida do Morro da Lagoa,

eu percebi que o difícil não é acabar o namoro.

É saber o que fazer com a namorada que eu ainda sou.

É reconhecer os territórios conquistados e me apropriar

novamente de mim.

E esquecer que ele prefere lençol de malha e

voltar a pedir pizza com azeitonas.

Ligar o rádio e ter coragem de cantar sertanejo sem culpa.

Sair à noite e desgrudar do celular.

Voltar para a casa sem querer mandar mensagem antes de dormir.


É cansativo encarar o desgaste do amor do fim,

dos palavrões ditos com a boca toda, das maldições de vingança,

dos arrependimentos que se antecipam,

do remorso de enterrar algo que ainda respira.

É dolorido ter que se defender do amor do outro

para prevenir desilusões irreversíveis

e descartar o futuro imaginado com o desprendimento

de quem joga fora

um panfleto recebido a contragosto.


Dói quando o telefone não toca,

quando não surge uma contra-proposta,

quando o outro consente que não merece outra chance

e não se esforça por merecer.


Tudo isso é difícil. Eu sei. Eu admito.


Mas difícil, difícil mesmo, é arrancar de mim mesma tudo

aquilo que me fez sua.

As partes que me foram amorosamente usurpadas

durante os anos de convivência.

O sentimento de propriedade.

O sentimento de pertinência.

Difícil, difícil mesmo, é aceitar o chaveiro rival

sem a incômoda sensação

de que eu ainda estou traindo alguém.

Ontem eu achei um emprego. Hoje eu pedi demissão.

Ontem eu achei um emprego. Hoje eu pedi demissão. Vou explicar o motivo para que vocês se saiam melhor do que eu. Desemprego mata a aut...