Não torço para time nenhum.
Não vejo futebol.
Não sei, até hoje, a diferença entre lateral e tiro de meta.
Foi por todos estes motivos que respondi “Tanto faz”
quando o moço do posto de gasolina perguntou qual dos chaveiros
eu preferia.
Era o meu prêmio por trocar a água do radiador:
um chaveiro, uma caneta e um carrinho.
O homem então me entregou o pacote.
Secretamente, ele já havia escolhido por mim.
Era avaiano. O moço e o brinde.
Antes de me apoderar do presente, voltei atrás.
Revelei que preferia que fosse do Grêmio.
Minha solicitação foi atendida sem questionamento.
Sentei o brinde no banco do passageiro.
Os questionamentos ficaram todos para mim.
Porque, como eu falei, eu não me importo com futebol,
mas escolhi o Grêmio por causa dele.
Faz cinco anos que a camisa azul, preta e branca
é a preferida do fim de semana e
eu já perdi as contas de quantas vezes escutei
que ele não gosta do meu esmalte do Inter.
O problema é que não estamos mais juntos e, ainda assim,
escolhi o Grêmio.
Enquanto o chaveiro e o carrinho me olhavam,
na subida do Morro da Lagoa,
eu percebi que o difícil não é acabar o namoro.
É saber o que fazer com a namorada que eu ainda sou.
É reconhecer os territórios conquistados e me apropriar
novamente de mim.
E esquecer que ele prefere lençol de malha e
voltar a pedir pizza com azeitonas.
Ligar o rádio e ter coragem de cantar sertanejo sem culpa.
Sair à noite e desgrudar do celular.
Voltar para a casa sem querer mandar mensagem antes de dormir.
É cansativo encarar o desgaste do amor do fim,
dos palavrões ditos com a boca toda, das maldições de vingança,
dos arrependimentos que se antecipam,
do remorso de enterrar algo que ainda respira.
É dolorido ter que se defender do amor do outro
para prevenir desilusões irreversíveis
e descartar o futuro imaginado com o desprendimento
de quem joga fora
um panfleto recebido a contragosto.
Dói quando o telefone não toca,
quando não surge uma contra-proposta,
quando o outro consente que não merece outra chance
e não se esforça por merecer.
Tudo isso é difícil. Eu sei. Eu admito.
Mas difícil, difícil mesmo, é arrancar de mim mesma tudo
aquilo que me fez sua.
As partes que me foram amorosamente usurpadas
durante os anos de convivência.
O sentimento de propriedade.
O sentimento de pertinência.
Difícil, difícil mesmo, é aceitar o chaveiro rival
sem a incômoda sensação
de que eu ainda estou traindo alguém.
This work is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Vedada a criação de obras derivadas 3.0 Unported License.