sexta-feira, 14 de março de 2014

Tinderficialidades

Não para essa tatuagem de Shiva.

Não para esse chapéu de palha.

Não para esse que faz cara de bobo quando ri.

Mal termino de verbalizar a frase e já tem outro me olhando na frente da Fontana de Trevi. Não.

E não também pra esse aqui que tirou foto da tela na única vez que apareceu na TV.

Continuo a busca e me alegro quando penso que achei um bonitinho, mas a empolgação vai embora naquela foto preto e branca com efeito, camisa de botão aberta e o logo do De Olho na Balada.

Anderson segura uma medalha na foto do perfil. Preguiça.

Toni faz pose com a mão no bolso da calça jeans. Muito anos 90.

Caio tem os dentes amarelos e a cara comprida como um Cocker Spaniel.
Se ele fosse um Cocker Spaniel eu sairia com ele.

Rodrigo faz a sobrancelha.

Alex é careca.

Kleber cortou a cabeça e faço votos que a esposa não reconheça o abdome.

A primeira foto de Alan me convence. A segunda é num jardim e eu me convenço que ele parece um anão de jardim.

Sunga justinha. Pula.

Jaleco bordado. Pula.

Costas peludas. Pula.

Depois de tanto carro importado e ex-malhado sem camisa, encontro um que parece meio tímido, com uma foto tremida da família inteira e arrisco a clicar no Like. Imediatamente recebo a mensagem:

- Encontrei.

Coloco um ponto de interrogação na esperança de ser surpreendida, mas a resposta é exatamente o que eu pensava:

- O que estava procurando... Você!


Droga. Vou ter que começar de novo.



sábado, 8 de março de 2014

"Impulso", "Fraqueza", ou "Ficou por dizer"

Não era certo, não era prudente, não era sequer admissível. Mas ligou mesmo assim, irresponsável, numa dessas noites ruins. Queria contar que o universo não andava certo fazia algum tempo. A cidade era legal, era. O trabalho era legal, mais ou menos, mas a vida era permanentemente incompleta, uma solidão disfarçada com idas prolongadas ao supermercado, uma academia e as mesmas séries da TV.

Constantemente ocupava-se com um livro ou com a ideia de que era hora de realizar algo importante, mas nessas noites meio chatas não era o futuro promissor que fazia falta. Sonhava com o passado em sua forma mais despretensiosa, da bolacha recheada e da garrafa de coca cola ao lado do sofá, das lingeries escolhidas com tanto cuidado, daquelas declarações feitas só depois de alguma intimidade, como quando a gente responde que "não é cólica não, é dor de barriga". Tinha saudade do solzinho que passava pela janela sem cortina e de abrir o olho e encontrar com ele.

Agora, o tempo todo era só ela. Às vezes chegava a dizer oi para o espelho e achava isso tão ridículo quanto as fotos que batia de si. Andava meio cansada desse mundo conectado, com 600 amigos e ninguém pra segurar a câmera, mas recorria a ele ou por costume ou por carência. Em casa, convivia com os armários abertos e os talheres na pia. De vez em quando, repassava algumas conversas no chuveiro que ficariam por ali. Já fazia tanto tempo que já não fazia sentido.

Quando parava pra pensar, concluía que a vida era mais civilizada sem amor. Não há gritaria, não há pressa, não há farpas, não há culpa. Não há conversas conspiratórias, nem tantas explicações. Os dias passam mais devagar e as coisas são como estão. Não há vontade de apressar o tempo, nem se corre o risco de esmagar, por insegurança, aquilo que a gente só queria manter. Mesmo assim, em sua absoluta falta de coerência, o amor ocupa o dia com mais esperança, entende? Ninguém respondeu. Não havia ninguém ali e nem do outro lado da linha, já que o telefone chamou chamou e caiu na caixa. Ela não quis tentar de novo e ele nunca retornou a ligação. A vida seguiu fácil, embora ponderadamente dolorida.



Ontem eu achei um emprego. Hoje eu pedi demissão.

Ontem eu achei um emprego. Hoje eu pedi demissão. Vou explicar o motivo para que vocês se saiam melhor do que eu. Desemprego mata a aut...