quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Tanta tecnologia me deixou meio abobada

Tédio é quando qualquer coisa parece melhor do que eu estou fazendo agora. Vou estudar e dá fome. Pego um livro e dá sono. Vou trabalhar e me dá uma vontade de olhar o Facebook. Já pintei as unhas de azul para ver como fica e tentei até depilação com pinça só para fugir do que estava fazendo.

Queria poder me enganar com mais inteligência, mas já desvendei a minha técnica de autosabotagem: toda vez que tenho uma prioridade, invento mil tarefas inadiáveis até que enfim eu possa dizer: ihh, agora não dá mais tempo.

De uns tempos para cá, vejo que estou cada vez mais impaciente com qualquer coisa que consuma atenção por mais de 15 minutos e não se enquadre totalmente na categoria entretenimento. Assim como na internet, tenho aberto abas na vida real, uma atrás da outra. Talvez eu tenha me acostumado com a velocidade dos cliques e agora acho que o dia a dia ficou meio chato. 

Seria bem mais gratificante pensar que estou vivendo a era multitask, como dizem as revistas, em que as pessoas conseguem fazer várias coisas ao mesmo tempo, mas sei que clico muito menos por interesse que por distração. Saio do perfil do Facebook para a receita de risoto, da receita para o cinema, do cinema para o Chapolin, do Chapolin para o horóscopo online, sempre muito confiável. Embora nada disso me acrescente muito, com certeza me entretém. 

No mundo off line, por outro lado, eu olho para o relógio e a fila do banco não andou, no restaurante não chamaram a minha senha, eu pisco e o texto que comecei ainda está ali, exatamente no mesmo parágrafo. Enquanto no meu quarto se acumulam livros que deixei pela metade e roupas que um dia eu darei, faço que nem as velhinhas de antigamente: digito o login e coloco a cabeça na janela só pra ver o que está acontecendo.

Considerando essa falta de foco, provavelmente devo estar à espera de um milagre, já que boa parte do que será importante daqui alguns anos eu deixo para depois e depois para depois. Não é que eu não saiba onde quero chegar. O problema é que virei uma criança que aperta todos os botões do elevador.


segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Momentus Motel contrata

Já devia ter desconfiado. Estava tudo no currículo. Pró-atividade, gosto pela inovação e apaixonado por tecnologia. O curso superior talvez o tornasse qualificado demais, mas parecia um menino bom. Chegou no horário, coisa rara, e logo no início da entrevista acomodou os cotovelos na poltrona e cruzou as pernas como um empresário de sucesso, o que ficava até bem engraçado para um garoto de 21 anos.

O entusiasmo dele era contagiante. Falou dos fundamentos do Marketing e da importância de entender as mudanças de mercado com uma vontade quase incompatível com a natureza da vaga. A grande oportunidade aberta era o cargo de assistente de comunicação no Momentus Motel, situado na não menos glamourosa Rodovia Raposo Tavares. Mesmo assim, como o salário era razoável, não faltaram candidatos. Entrevistou diversos, todos com bastante experiência, mas acabou escolhendo Raphael por causa desse brilho no olho que ela não via há tempo. “Juro que você não vai se arrepender”, disse ele quando soube que começaria na próxima quarta. Ela sentiu uma pontinha de remorso. “Ahh, talvez você vá...”, pensou em silêncio, ironicamente.

O trabalho não era um martírio, mas estava longe de ser inspirador. Todo dia era a mesma coisa: mandar releases sobre novidades (leilão de virgindade de boneca inflável, suíte interativa para troca de casais e outras bizarrices), divulgar o cardápio da promoção "almoço grátis" e resolver os perrengues com o pessoal do Juizado de Menores que de vez em quando aparecia por lá. Também tinha que enviar os e-mails dos aniversariantes do cartão fidelidade e colocar a culpa no sistema toda vez que uma esposa ligava indignada para saber que porcaria de cartão era esse.

Na primeira semana, tudo correu muito bem. Rafael era o primeiro a chegar, com camisa sua camisa bem passada abotoada até em cima, sapato social e uma calça jeans meio justa demais. “Tem que se posicionar, não é Sil?" perguntava apressado, deixando evidente que se sentia muito elegante. “Sílvia”, corrigia a chefinha no auge dos seus 36 anos, um pouco irritada com a audácia do recém contratado assistente. Tudo bem, ninguém é perfeito, e, além do mais, faltava só uma semana para as suas férias. Ia passar o fim de ano no interior de São Paulo e Raphael ficaria responsável. 

Nos dias que se seguiram, o moço continuou aplicado e se mostrava cada dia mais eufórico com um curso de marketing digital que tinha baixado na internet. Quando chegou sexta-feira, Silvia passou todas as orientações e, ao final, disse a frase da qual se arrependeria profundamente:
– É isso aí, Raphael. Agora é você manda.

Não demorou para que o assistente resolvesse mostrar toda a proatividade que constava no currículo. Sua primeira atitude foi criar a fanpage do Momentus Motel e introduzir a empresa no mundo digital. Como se não bastasse, pegou a lista do cartão fidelidade e convidou um a um para curtir a página. Divulgou o frango parisiense do almoço grátis com uma sacadinha cretina: “Nesta segunda, vamos além do frango assado” e, na quinta, o trocadilho foi ainda pior: você traz o filet, a lasanha é por nossa conta. Na dúvida sobre a decoração da suíte 17, bolou um quiz: Romantismo dos anjos ou a imponência das colunas greco-romanas? Quem quer romance curte, quem prefere a classe compartilha. O trabalho não parou só no Facebook, integrou todas as redes sociais. No Twitter, decidiu que a estratégia seria posicionar através dos famosos. "Olha aí o @atacanteJorginho provando que gosta mesmo de pelada #bonsmomentus". Ainda nessa onda de convergência, criou um blog que contava os bastidores do motel.

O primeiro post era mais ou menos assim:

“O amor não tira férias e aqui no Momentus não é diferente. No Natal, o movimento diminui, todo mundo aproveita em família e bate peso na consciência. Réveillón é sempre uma loucura, a portaria fica cheia de namoradinhos pedindo a suite Paixão, um excelente custo/benefício. Na primeira semana de janeiro, o fluxo volta ao normal. O público diferenciado volta de férias e vem matar a saudade fazendo hora extra. Dá só uma olhada nessa fila.”

A imagem mostrava um monte de carrões esperando a sua vez de pagar. Em destaque, a BM do vice governador evangélico, que acabou virando capa de jornal. Para piorar, acompanhado de uma moça que nem de longe parecia sua senhora. Por causa dessa foto, Sílvia teve que voltar às pressas e logo foi falar com Raphael para entender o que tinha acontecido. Ao saber da polêmica, o assistente vibrou: repercussão nacional, mídia espontânea, custo zero. Ficou indignadíssimo quando, apesar de tanto esforço, foi dispensado de suas funções. “Cabeça pequena”, saiu resmungando ao deixar a salinha calorenta da comunicação. Enquanto apagava todos os vestígios nas redes sociais, já com mais de 300 seguidores, Silvia pensou em escrever sobre as aplicações do marketing no segmento, mas logo percebeu que tudo o que precisava saber podia ser resumido em três frases curtas.

1 - Aqui não se ouve nada.
2 - Aqui não se vê nada.
3 - A única coisa que realmente aparece é essa placa de neon horrorosa.


domingo, 12 de janeiro de 2014

200 noites iguais

Fui a um show semana passada. Era numa balada antiga, que só não parece mais velha porque de vez em quando muda de nome. A noite foi um flashback atrás do outro. Reparei que, na minha cabeça, as centenas de festas que fui agora parecem uma só. Pode ser que seja o efeito do passar do tempo, mas é provável que o excesso de cubas com coca light tenha ajudado um pouquinho.

***

Me vejo no carro, com mais três amigas, levo um copo grande que será esquecido em algum lugar. O caminho sempre tem fila, mas isso quase nunca é problema. A gente se distrai com a música, com as conversas da noite de ontem, dividimos chicletes e expectativas. Me vejo chegando animada, retoco um gloss bem brilhante, afundo meus saltos enormes no estacionamento. Na porta tem fila de novo: a gente espera, se empurra e entra. Vejo os bonitinhos do colégio, os disponíveis que se aglomeram na saída do banheiro. Comprar qualquer coisa é sempre uma guerra. Contida pelo balcão, ataco o garçom com a ficha de vodka e reparto o refri no copo de alguém. Os pés ficam pretos, o liso se arma, o lápis vira borrão em volta do olho. Ricocheteio feliz pela night, amiga de quem eu nem conheço, concluo coisas importantes falando comigo no espelho. Hoje, olhando de fora, eu vejo uma saia curta e uma solidão disfarçada, eu vejo uma alegria sincera e um desejo constante de companhia, eu vejo a invencibilidade dos meus quase vinte, eu vejo uma leveza que eu não tenho mais.

Enquanto eu me distraio com as minhas lembranças, percebo que um casalzinho se beija atrás de mim. É daqueles beijos bem lambidos, que hoje a gente não daria em público. A empolgação é tão urgente que é possível que se conheçam há uns 20 minutos. Considerando todo o contexto, decido que é hora de ir. Saio antes do fim da festa, o que antes era uma afronta, sem muita vontade de voltar no tempo. Boa parte das coisas que eu gostava tanto hoje me dá uma preguiça...


sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Autoajuda


Para começar bem 2014, queria dividir com vocês um pensamento que sempre me ajuda a redimensionar os problemas do dia a dia. Sei que não serve para tristezas definitivas, mas funciona perfeitamente na hora de aliviar pequenos arrependimentos, como quando a gente compra uma calça sabendo que não vai usar, dorme demais e perde o voo ou simplesmente desperdiça uma boa oportunidade de ficar quieta.

A inspiração veio de um desenho que vi nas costas de menina no metrô. Entendi a imagem como um recado divino.
Sabe aqueles dias em que nada dá certo e parece um erro ter saído da cama?
Nessas horas eu respiro fundo e repito comigo mesma: pelo menos eu não tatuei o Pica Pau.

Ontem eu achei um emprego. Hoje eu pedi demissão.

Ontem eu achei um emprego. Hoje eu pedi demissão. Vou explicar o motivo para que vocês se saiam melhor do que eu. Desemprego mata a aut...