segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

#olhapramim


Ontem quis postar uma foto. A única hashtag que me soou verdadeira foi #precisodeelogio. Poderia incluir outras, mas nenhuma seria tão animada quanto as que costumam frequentar minha timeline. Depois de umas 15 poses, achei meu sorriso duro. Como poderia ficar mesmo natural, se não tinha nenhuma graça?

Talvez pra quem visse tinha. Estava eu toda esticada tentando acertar o enquadramento com a câmera de trás. Prendendo a respiração, torcendo o braço, focada na expressão leventente sensual. Ao ver o resultado, a distância entre o que eu tinha imaginado e o que eu via era tanta que eu me senti numa aula de zumba. Foi como quando penso que estou rebolando e aí olho no espelho. Nem o Valência salvou. Decidi usar o meu filtro: pensei que qualquer um que quisesse se martirizar podia ligar a TV no Zorra Total e resolvi não postar. 

Não havia nada memorável e, pensando bem, tinha até uma parte triste. Por trás de cada selfie, alguém ri para um visor de telefone. Não para um cachorro na rua, uma piada ou um escorregão. Parece que o mundo anda meio invertido. Antes o motivo vinha primeiro. Não tinha isso de rir sem se alegrar. Agora a gente conhece antes de ver e posta antes de provar. Do jeito que as coisas vão, não me surpreenderia se inventassem um restaurante especializado em comida fotogênica.

Desde que a vida mudou pra internet, a nossa fome é de atenção.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

A moça do metrô não tinha um braço.


A moça do metrô não tinha um braço. Reparei quando cheguei mais perto. Estranhei o brilho da unha pintada e só depois percebi a prótese de plástico que, embora imitasse todas as ranhuras de uma mão humana, não parecia, em nenhuma instância, humana.

Seu movimento, com o andar do trem, não condizia com o corpo da moça. Permanecia semi aberta, congelada na eminência de pegar alguma coisa, balançava dura as unhas coloridas. A moça parecia cansada, como todos naquele vagão. Fiquei pensando na sua rotina. Teria lavado o cabelo com uma mão só, assim como vestiu a meia-calça e abotoou a camisa de cetim. Arrumou-se bastante, mas, pelo menos para mim, foi impossível não notar a falta. 

Tentei olhar com mais carinho para a prótese que a princípio me pareceu assustadora. Era a mão da moça. Assim como eu tinha a minha. Reparei nos meus dedos avermelhados pela pressão da sacola, as veias saltadas no dorso. Lembrei que eu tocava. Que eu sentia. Fazia poucas horas que havia amanhecido e eu já tinha precisado tanto de tudo.

Fui inundada por aquela sensação de egoísmo que sempre me percorre quando eu lembro do quanto eu tenho a agradecer. É esquisito: a gente se sente tão inteira, mas é tão limitada. A moça do metrô não tinha um braço. Precisei vê-la para lembrar dos meus. 

 

domingo, 19 de outubro de 2014

O amor é raro.


Você me pergunta por que eu não tenho namorado como quem tenta descobrir o meu defeito. Eu digo que não sou tão fácil, como quem responde “perfeccionista” na entrevista do RH. Não é mentira, mas também não é por isso. Poderia colocar a culpa nos homens e dizer que é difícil se comprometer. Poderia colocar a culpa “nos tempos” e dizer que é difícil admirar. Poderia fazer que nem aquela jornalista que escreveu “se você está sozinha é porque você é chata” e ficar me redimindo pelas minhas neuroses, mas nada disso seria sincero.

O que eu tenho pensado ultimamente e tem me trazido alguma calma é que o amor é muito específico. Não é mesmo fácil encontrar. Aparência, interesses comuns e vida profissional são critérios genéricos. Se não fossem, a plataforma do amor seria o linkedin.

Não é assim que funciona. Pelo menos pra mim. Sempre estranhei essas pessoas que conseguem emendar namoros. Sai um, entra outro e fica tudo bem. Antes achava que tinham muita sorte. Hoje penso que são mais flexíveis. Talvez valorizem mais a companhia do que a pessoa. Gostem da estabilidade de ter uma programação. Adaptam-se melhor ao outro, enquanto eu me prendo a detalhes.

Apaixonante pra mim é o cara que trata bem o garçom. Que me chama de um jeito fofo. Que tem pensamentos bonitos. Que nunca tenta tirar vantagem. Que consegue desenrolar uma conversa agradável numa festa cheia de desconhecidos. Pode parecer loucura, mas para mim a paixão está intimamente ligada ao tom de voz e à qualidade da playlist. Gosto de quem me olha com inteligência, de quem me abraça com vontade, de quem não se expõe demais.

Toda vez que eu vejo um casal feliz, imagino que eles sejam resultado de algum alinhamento cósmico super complicado. Se já é difícil amar alguém, imagina amar alguém que te ama de volta. Que também valoriza em você o que mais ninguém percebe. Considero uma missão fazer-se insubstituível num mundo em que ninguém mais levanta a cabeça, tão entretidos que estamos com o visor do telefone.

Como disse uma amiga, a questão não é ter um namorado: é ter o namorado certo. Enquanto ele não chega, eu trabalho, saio, vou à academia. Às vezes eu surto, mas não há muito o que eu possa fazer. Preciso ter paciência para esperar o que mereço. Estou sozinha e não é culpa minha. O amor é raro.


terça-feira, 14 de outubro de 2014

Você também é cliente.



Para quem trabalha com publicidade, falar mal de cliente é mais que um hábito: é um esporte. Basta que se inicie o assunto e logo a mesa se une com uma energia de torcida. Cada um conta sua história. Os amigos se compadecem e cria-se o ranking da desgraça. Clientes mandam logo em arquivo word, pedem jobs urgentes que sempre ficam para depois, reclamam que o monstro não está bem acabado e se prendem a detalhes tão irritantes que nem valeria a pena comentar. Mas a gente comenta. O tempo todo. Acompanhamos cada um dos absurdos com expressões que variam entre a dor e a raiva e genéricas frases de apoio. "Como pode ser tão estúpido?" "Não vê que não vai funcionar?" "Como assim "vai fazendo"?"

Pensava que clientes problemáticos eram exclusividade da propaganda até esse fim de semana, quando acordei atrasada para a academia. Encontrei o instrutor e esse foi o meu briefing: queria um treino bem matado para fazer em 25 minutos. Ele me lançou um olhar fulminante, me passou qualquer exercício e eu saí furiosa achando que tinha razão. Só depois entendi o que tinha acontecido: ele estudou 4 anos, acordou cedo no sábado e se prestou a ficar 8 horas numa academia calorenta para  ajudar alunos a atingirem seu objetivo. No lugar disso, aparece uma menina indisciplinada, pede um treino porcaria e ainda espera confete? 

Não posso julgá-lo. Recebi o mesmo olhar de morte de um corretor que me mostrou uma kitnet de anunciados 22 metros quadrados e eu voltei com a brilhante conclusão: "É pequeno..." Embora não tenha dito uma palavra, fui amaldiçoada em pensamento pelas próximas três gerações. Estava eu, estúpida, exercendo o meu papel de cliente. Não foi a única vez. Sou cliente quando vou à sorveteria, provo todos os sabores e acabo escolhendo o de sempre. Quando pergunto pro garçom se o chili é apimentado. Quando falo para o chef que o ponto certo do filet mignon é seco. Sou cliente quando, num dia bem quente, peço pro taxista fechar a janela para não despentear meu cabelo. Quando quero apressar o prazo da lavanderia. Quando tento embarcar 13 kg e um violão como bagagem de mão. E por que não poderia? 

Apesar de toda a incoerência, vi que em nenhum desses momentos eu me acho infame. Tenho, no papel de cliente, a mesma falta de senso crítico de que reclamo. Entendo como direito a oportunidade de fazer perguntas óbvias só para confirmar, de tentar agilizar a minha vida desconsiderando o protocolo, de ser inúmeras vezes mais chatinha e exigente do que seria se fosse um favor. Tirando operadoras de telefonia celular e serviço relacionados a reformas e manutenção, nos quais a gente invariavelmente se dá mal, vejo que existe uma tolerância maior a quem demanda e, muito importante, quem paga. Se o cliente não tem sempre razão, até que ponto vale a pena discordar? 

Enquanto procuro essa resposta, resolvi repensar minha postura e restringi minhas frases de apoio à única que não me pareceu tão hipócrita. De hoje em diante vou dizer apenas: tinha que ser cliente. Como vocês viram, ando sem moral para me indignar. 

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Feliz 31 :)


Oi, sabe o que que era?

Queria te convidar pra uma festa. Vou fazer meu aniversário num karaokê bem esquisito. Eu também não conheço, mas disseram que é divertido. Na verdade, me falaram que parece um cenário de filme do Bruce Lee, mas dá pra comer espetinho.

Achei que combinava com a fase. Para mim, os trinta é um pouco isso: o que eu não gostava foi embora e ficou só a melhor parte, mesmo que às vezes não combine muito. Exemplo? Eu gosto de Kill Bill e também daquela música “é o amor”. Isso, do Zezé de Camargo e Luciano. Antes eu achava que não podia. Agora, se eu gosto, está valendo. Posso gostar de wazabi e vinho branco e não faço questão de cerveja porque acho meio azedo.

Demorei para perceber que ninguém se preocupa tanto com as minhas escolhas e isso me deixou aliviada. Quando a gente é mais nova vive se justificando. É meio cansativo. Antes, ficar em casa na sexta à noite era como uma desfeita para o universo. Agora, eu posso até dormir cedo. Isso ninguém conta, mas envelhecer dá muita liberdade. Semana passada eu errei na sombra, passei um verde meio extravagante e depois fiquei rindo de mim mesma com cara de mãe natureza.

Outra coisa que mudou foi a noção do tempo: antes tudo tinha que ser pra agora. Achava uma boa ideia ligar da balada às quatro e meia da manhã só pra dar um oi. E ainda ficava profundamente magoada se ninguém atendesse. Não, não era louca não, mas é que eu tinha muita pressa.

Acho que se eu fosse mais novinha ia te ligar dizendo que eu queria muito que você fosse. Ia ter chamado todos os seus amigos só pra aumentar as minhas chances. E ainda ia mandar umas mensagens fofas pra você não esquecer. Se eu tivesse 20 e poucos, era você que eu ia incomodar de madrugada caso você não aparecesse. Mas, como eu tenho 31, fica aqui o convite. Tenta dar uma passada. Se você for, eu vou estar lá no palco. Se você não for, também.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Sobre o amor que não serve


Falava o nome dele com certo cuidado para não acordar os mortos. Nunca soava muito natural. Falava e logo olhava para si ligeiramente preocupada como quem tivesse mexido onde não devia. Ainda assim, de vez em quando o nome escapava, muito mais por saudade que por distração.

Na frente dos amigos era pior. Viu que com o passar do tempo o assunto tinha virado tabu. No momento em que se pronunciava, logo a mesa virava uma comissão julgadora com olhares de desaprovação. Fazia tempo que a banca tinha chegado ao veredicto de aquele amor não servia.

Ela simplesmente concordava, sem outras considerações. Não era uma forma de encerrar o assunto. Concordava sincera e convictamente, enquanto os amigos reforçavam o alerta. O que ninguém suspeitava é que ela já sabia disso desde o primeiro encontro. Desde o primeiro beijo, desde a primeira vez que se olharam na cama, a paixão veio honesta e sem nenhum senso de utilidade. Aquele amor nunca foi sobre ela e suas necessidades. O amor era sobre ele. Ele e seus interesses inusitados, seus segredos intrigantes, ele e todo o tumulto que o cercava.

Àquela história não se aplicava nenhum critério mais prático. Não era a metade, não era a luva e definitivamente a vida não ficaria mais fácil. Os amigos tinham razão: não servia. Só agora entendia as consequências e talvez fosse por isso que falava o nome dele com o receio de quem ajeita a prateleira mais alta na ponta do pé.

Um movimento em falso e poderia amá-lo novamente.


domingo, 3 de agosto de 2014

Calma.

São Paulo, quase dois anos depois. 


Cheguei na parte chata da mudança, aquela que vem depois que tudo já está encaixotado e espalham-se pelo quarto pequenos objetos sem classificação. Meias órfãs, o engov de depois, aquela capinha de guarda chuva novo que eu nunca mais vou conseguir colocar. 

Cercada desses vestígios pouco memoráveis, pacientemente vou separando o que vai e o que fica. Despejo a última gaveta em cima da cama é ali, entre tudo que deveria ser jogado fora, que eu encontro o tempo que eu passei aqui. Inesperadamente me deparo com um apego inexplicável a uma credencial de congresso, um convite de show, um folder que um dia eu achei que me seria útil.

Acho os endereços das minhas primeiras entrevistas de trabalho e paro para pensar em quantos amigos eu já fiz. Vejo os comprovantes de compra da padaria da esquina e lembro do tempo em que eu nunca tinha visto um pão na chapa. Cada nota fiscal vira um encontro. Um a um, analiso os papeizinhos amarelos de cartão de crédito, e percebo que, por cansaço ou distração, apaguei irresponsavelmente boa parte da minha memória. Porque, para cada vestido que se compra, quantos a gente prova? Para cada entrevista marcada, quantas vagas se pesquisa? Percebi que, na correria do dia a dia, a gente acaba esquecendo que qualquer movimento leva tempo. 

Enquanto a gente busca alguma razão mais importante, a vida se distrai com uma vitrine, marca um dentista, almoça, volta, escolhe um plano de internet. Acho que é preciso olhar para o passado com mais cuidado antes de cair no clichê e dizer que nunca dá tempo de nada. É preciso olhar pra nossa história com um pouco mais de paciência e entender que ainda não ter chegado onde se quer não significa que estamos no mesmo lugar. Não estamos. 

Fechei a última caixa, desocupei o quarto bem cansada e contente. Precisei de uma mudança pra ver o quanto eu tinha mudado.

terça-feira, 24 de junho de 2014

SAC Santo Antônio


Prezado Santo Antônio,

Estou entrando em contato pois gostaria de cancelar meu pedido. Sabe aquela solicitação do combo marido+casamento? Então, pode esquecer. Foram tantas entregas com defeito que acabei cansando. Já não faço questão. Eu bem que tentei alterar modelo e data de fabricação, mas a história se repete. O começo é sempre igual: linda pra cá, amor pra lá, mas depois de algumas semanas aparece alguma coisa. Vai por mim: Ou é cafajeste ou é doido.

Te pedi um bonito, era grudento. Abdiquei da beleza, veio um esnobe. Te pedi mais romance, apareceu um tão apaixonado, tão apaixonado, que inclusive já tinha outra. Já exausta com o processo de devolução, resolvi baixar a guarda: pedi um cara legal que me desse atenção. Veio. Dava atenção pra mim e pra todas as malhadas da academia.

Não era bem o que eu tinha em mente. Reconheço que contribuí para agravar os problemas com seus serviços. Você disse que o amor chegaria quando eu menos esperasse e sei que tem sido difícil me pegar distraída. Fiquei meio doida, Santo Antônio. Vejo significado onde não tem. Outro dia, no supermercado, esbarrei num cara interessante, meio esquisitão como eu gosto, na prateleira das bebidas. De repente, ele vem em minha direção e pega três caixas de suco de maçã, que é o meu preferido, e eu acho que isso é um sinal.

Sinal de quê, Santo Antônio?

Sinal de que o moço gosta de suco de maçã, do mesmo jeito que o outro gostava de rock e o outro de praia. Não teremos uma história por causa disso. É um suco. Não dá pra chamar de afinidade, né?

Na última quinta-feira, por exemplo, estava voltando pra casa segurando um pacote super sexy com 12 rolos de Neve extramacio quando pensei: “Já pensou se o cara da minha vida aparece agora?” Foi aí que vi que estava no fundo do poço. Até papel higiênico me faz pensar em casamento. 

Acredito nas suas boas intenções mas isso não pode ser saudável. Estou mesmo decidida a cancelar o plano. Peço que não me transfira para o setor de retenção de clientes, pois não tenho interesse em incluir uma lua de mel exótica, ou um pedido de noivado extravagante para amenizar o dano. Já esgotei a minha cota de babacas. Dessa e da próxima vida.

Sei que é impossível restituir o tempo perdido, mas acho justo compensar os gastos com cabelo, maquiagem, pé, mão e depilação. Gostei muito daquela opção de reembolso que inclui personal trainer, desconto em passagens aéreas e festas com os jogadores do time de rugby. Você sabe o CPF e o endereço é esse aí. Pode entregar lá em casa.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

O mundo acabou e ninguém percebeu.


Sérgio Malandro está na tv. O papa renunciou. Abri a janela e tinha geado. São Paulo, maio, depois de um dia de sol. Faltam três semanas para a copa e, no país do futebol, não se vê uma bandeirinha na janela. No primeiro Big Brother, lembro de fechar os olhos e pensar o que eu faria com um milhão de reais. Hoje qualquer apartamento custa um milhão e esse país de milionários para quando tem greve de ônibus.

“Tem alguma coisa muito estranha”, comentei com um amigo. Ele se inclinou em minha direção e me deu o diagnóstico como quem conta um segredo.

– Lembra, em 2012, quando diziam que o mundo ia acabar?
   Pois é.

Ele não precisou mais explicar. O que eu esperava? Um dilúvio? Repensei minhas hipóteses para o dia do apocalipse e me achei ingênua em minhas expectativas. Esperava um fim do mundo barulhento como nos filmes de ação, explosões estilo 11 de setembro e uma pane geral dos computadores. Mas o mundo acabou e a gente ficou aqui.

Morreram: os telefones fixos, as videolocadoras, as TVs de tubo, os dicionários de bolso, os filmes de 12, 24 e 36 poses. Morreram os bailes debutante, as famílias margarina, o glamour das viagens de avião. Nasceram as tomadas brasileiras. As pilhas sobreviveram a contragosto. O yakult se manteve firme e forte com suas garrafinhas sempre menores que a minha vontade. A hierarquia ficou fora de moda. O sonho americano caducou.

Abrimos a nossa vida, compartilhamos intimidades, travamos a porta do carro antes de colocar o cinto. Mudaram umas coisas importantes, como a divisão entre país rico e pobre, a nossa noção de clima, de sexo como determinante de sexualidade. O tédio foi substituído por um fuzuê de novidades e ficou tudo tão rápido que hoje eu não tenho paciência pra fritar um bife.

Nesses últimos anos, repensamos a família, o significado do trabalho, os relacionamentos. Todos os dias, olho para as pessoas no metrô, com olhos concentrados e polegares ativos, e não me resta nenhuma dúvida de que enterramos o mundo como se conhecia. O que vem por aí é imprevisível e é inútil adivinhar. Pensando bem, já que o mundo acabou mesmo, não tem mais por que se preocupar tanto. Semana passada, por exemplo, fui pra balada de polaina.


quarta-feira, 7 de maio de 2014

A segunda chance

Saímos ontem.

Saímos ontem e fazia tempo que a gente não se via, mas é estranho como eu me lembrava de você com tanto carinho. Quando eu te encontrei de novo, mesmo antes de entrar no bar, vi que todo o meu nervosismo foi perda de tempo. Ainda era você, e me riu com o mesmo riso fácil que eu já conhecia. 

Conversamos a noite toda, eu bebi um pouco a mais porque é o tipo de coisa que faço quando estou feliz. E, porque tinha essa desculpa, achei normal querer voltar pra sua casa como se fosse antigamente. Cada hora contigo me fez renovar alguns verões. De repente, éramos nós dois tentando acertar um beijo num mar cheio de onda, aquela ansiedade adolescente e um biquíni emprestado que não me caiu muito bem. Era você ligando pra dar uma volta na praia e eu inventando uma desculpa pra conseguir sair de casa. Lembro de te olhar de longe lá no pátio do colégio e das mensagens no meu Startac de adesivos coloridos. 

Ao te ver deitado na cama, achei engraçadas suas pernas finas e reparei que antes você tinha mais cabelo. Apesar de tudo, estávamos melhor agora. Mais seguros agora. Será? Aí você falou a frase que me fez arregalar os olhos já pesados de sono. Encostou o nariz no meu pescoço e disse: "Queria ficar com você assim para sempre". Na hora eu soube que não era verdade. Se você realmente se importasse tomaria mais cuidado. Não iria querer deixar as coisas muito claras. A essa altura do campeonato, a gente sabe que, na dúvida, é preferível não dizer. Fiquei ali deitada mais um pouco e vi que me precipitei.

Resolvi não estragar minhas lembranças e logo que você dormiu eu fui embora a fim de nos poupar de qualquer outra mentira. Mas você não resistiu e me mandou uma mensagem só para dizer que ligaria. 

Olha que chato: você me enganou mais uma vez.

terça-feira, 1 de abril de 2014

Perto de mim, só gente bonita.


As portas da igreja se abriram e lá estava ela, linda como eu já imaginava, ao lado do pai emocionado. Olhou para o altar com um encantamento de menina, sorriu e se deram as mãos. Antes do primeiro passo, ela virou-se pro pai, beijou sua mão e perguntou com toda doçura do mundo: vamos? Enquanto ela entrava, agradeci por poder estar presente e fiquei tentando adivinhar o que fazia este momento tão bonito. O vestido era perfeito, mas não era isso. O cabelo estava lindo, mas não era isso. A música, a decoração, estava tudo tão mágico mas ainda era pouco. Ao vê-la caminhando radiante e iluminada em direção ao seu príncipe, pude perceber que a beleza daquela noite era ela.

Percebi, de uma maneira concreta e definitiva, que beleza interior é externa. Não é um jeito de dizer. Primeiro a frase soou estranha e depois pareceu muito clara. A beleza interior transparece o tempo todo, é violentamente evidente. A verdade com que se olha, a delicadeza com que se responde, o interesse com que se ouve, a capacidade de discordar respeitosamente. Tudo isso influencia a presença da pessoa no mundo: muda o jeito que ela gesticula, que se move, que ri.

São atitudes assim que tornam a beleza consistente. Se parar para pensar, somos bem mais ação que contemplação. Se tirarmos as oito horas de sono, sobram dezesseis horas para interagir: conversar, trabalhar, comer. Fazer dessa interação uma boa experiência requer muito mais que um rostinho de miss.

É claro que beleza física importa. Toda mulher que eu conheço quer se sentir bonita e isso tem garantido a sobrevivência de boa parte das revistas de globais e BBBs. Mas acho que se fala muito pouco sobre o outro lado. Pessoas bonitas têm pontos de vista interessantes, riem de si, são autênticas. Pelo menos para mim, seria bem pertinente se as dicas de beleza fossem além da maquiagem. Quer ficar mais bonita? Experimente não constranger os outros, espere a sua vez de falar, escolha assuntos agradáveis, não espalhe segredos que não são seus. Atitudes egoístas deixam as pessoas muito muito feias e isso conta mais que a cor do batom.

Ao ver minha amiga entrando na igreja, encontrei a minha definição de beleza: bonito é quem a gente pode admirar. Não sei se é assim que funciona para todo mundo, mas é assim que eu tenho escolhido meus amigos. É esse tipo de gente que eu quero por perto: gente generosa, positiva, justa, gente que nos abre os olhos e nos puxa pra cima.

Para tudo que não seja isso, a beleza não passa de um atributo provisório.

A feiúra é uma questão de tempo.

sexta-feira, 14 de março de 2014

Tinderficialidades

Não para essa tatuagem de Shiva.

Não para esse chapéu de palha.

Não para esse que faz cara de bobo quando ri.

Mal termino de verbalizar a frase e já tem outro me olhando na frente da Fontana de Trevi. Não.

E não também pra esse aqui que tirou foto da tela na única vez que apareceu na TV.

Continuo a busca e me alegro quando penso que achei um bonitinho, mas a empolgação vai embora naquela foto preto e branca com efeito, camisa de botão aberta e o logo do De Olho na Balada.

Anderson segura uma medalha na foto do perfil. Preguiça.

Toni faz pose com a mão no bolso da calça jeans. Muito anos 90.

Caio tem os dentes amarelos e a cara comprida como um Cocker Spaniel.
Se ele fosse um Cocker Spaniel eu sairia com ele.

Rodrigo faz a sobrancelha.

Alex é careca.

Kleber cortou a cabeça e faço votos que a esposa não reconheça o abdome.

A primeira foto de Alan me convence. A segunda é num jardim e eu me convenço que ele parece um anão de jardim.

Sunga justinha. Pula.

Jaleco bordado. Pula.

Costas peludas. Pula.

Depois de tanto carro importado e ex-malhado sem camisa, encontro um que parece meio tímido, com uma foto tremida da família inteira e arrisco a clicar no Like. Imediatamente recebo a mensagem:

- Encontrei.

Coloco um ponto de interrogação na esperança de ser surpreendida, mas a resposta é exatamente o que eu pensava:

- O que estava procurando... Você!


Droga. Vou ter que começar de novo.



sábado, 8 de março de 2014

"Impulso", "Fraqueza", ou "Ficou por dizer"

Não era certo, não era prudente, não era sequer admissível. Mas ligou mesmo assim, irresponsável, numa dessas noites ruins. Queria contar que o universo não andava certo fazia algum tempo. A cidade era legal, era. O trabalho era legal, mais ou menos, mas a vida era permanentemente incompleta, uma solidão disfarçada com idas prolongadas ao supermercado, uma academia e as mesmas séries da TV.

Constantemente ocupava-se com um livro ou com a ideia de que era hora de realizar algo importante, mas nessas noites meio chatas não era o futuro promissor que fazia falta. Sonhava com o passado em sua forma mais despretensiosa, da bolacha recheada e da garrafa de coca cola ao lado do sofá, das lingeries escolhidas com tanto cuidado, daquelas declarações feitas só depois de alguma intimidade, como quando a gente responde que "não é cólica não, é dor de barriga". Tinha saudade do solzinho que passava pela janela sem cortina e de abrir o olho e encontrar com ele.

Agora, o tempo todo era só ela. Às vezes chegava a dizer oi para o espelho e achava isso tão ridículo quanto as fotos que batia de si. Andava meio cansada desse mundo conectado, com 600 amigos e ninguém pra segurar a câmera, mas recorria a ele ou por costume ou por carência. Em casa, convivia com os armários abertos e os talheres na pia. De vez em quando, repassava algumas conversas no chuveiro que ficariam por ali. Já fazia tanto tempo que já não fazia sentido.

Quando parava pra pensar, concluía que a vida era mais civilizada sem amor. Não há gritaria, não há pressa, não há farpas, não há culpa. Não há conversas conspiratórias, nem tantas explicações. Os dias passam mais devagar e as coisas são como estão. Não há vontade de apressar o tempo, nem se corre o risco de esmagar, por insegurança, aquilo que a gente só queria manter. Mesmo assim, em sua absoluta falta de coerência, o amor ocupa o dia com mais esperança, entende? Ninguém respondeu. Não havia ninguém ali e nem do outro lado da linha, já que o telefone chamou chamou e caiu na caixa. Ela não quis tentar de novo e ele nunca retornou a ligação. A vida seguiu fácil, embora ponderadamente dolorida.



Ontem eu achei um emprego. Hoje eu pedi demissão.

Ontem eu achei um emprego. Hoje eu pedi demissão. Vou explicar o motivo para que vocês se saiam melhor do que eu. Desemprego mata a aut...