sábado, 22 de dezembro de 2012

Mãe, querida, agora eu entendo.


Depois de oito meses, decidiram casar. Era 1974.

A noiva olha para o marido na fila do buffet e pensa consigo: 

"Meu Deus, pode ser que dê tudo errado daqui pra frente, 

mas o importante é que hoje eu acredito".


A noiva era a minha mãe e durante anos eu não consegui 

entender essa história. Achava que acreditar era pouco.

Parecia bastante insensato casar com um moço 

que ela não conhecia tão bem. Levei muito tempo até perceber

que acreditar é uma das partes mais difíceis.


Tenho ouvido horríveis histórias de amor. 

Namoros longos que resultaram em casamentos meteóricos, 

casamentos longos que há muito já não são um casamento, 

romances que definharam logo após a assinatura 

do único contrato que a gente quer desde menina. 


Que fique claro: falo por mim. 


Por muito tempo entendi o casamento como a prova 

do amor supremo e confesso que já me senti tentada a testá-lo. 

Como se a melhor opção, diante de visíveis sinais de desgaste 

e cansaço, fosse submeter o amor a uma maratona: 

se chegar lá no fim, subir no altar e disser que me ama, 

só então vou ter certeza de que isso é amor. 


Ao contrário do que possa parecer, acho que 

o maior risco não é desistir da prova, mas completá-la usando 

o fôlego que resta. Descobrir, depois de todas as formalidades, 

um amor esgotado, arranhado demais pra perdoar, 

pra relevar, para esquecer. 


A carga fica muito pesada. 

Agora existem testemunhas, fotos, assinaturas. 

Vocês são um casal perante a lei e juraram para 

Deus que seria eterno. Juntaram os sobrenomes, chamaram 

os amigos para anunciar a nova família e uniram seus profiles 

em um relacionamento sério. 


Eu não quero um relacionamento sério. 

Eu quero um relacionamento leve, um relacionamento bom, 

que me traga felicidade e que possa fazer o outro feliz. 

Aceito renunciar a alguns desejos, desde que não precise 

abrir mão dos meus valores. Quero muito mais naturalidade

que compromisso, mais constância que seriedade. 

Quero menos a eternidade que a vida real. 


Assim como aquelas entrevistas de emprego que nos 

fazem pensar em mudar de profissão, acho totalmente legítimo 

que em algum momento a gente pense em desistir de tudo

e acho maravilhoso que depois de um banho, uma conversa,

ou uma noite de sono, a gente acorde e decida continuar,

melhorar, fazer diferente. 


Por mais que influencie, não é o valor da festa,

os anos de convivência, ou o somatório das esperanças

envolvidas que nos fazem seguir em frente.

A gente só fica porque acredita.


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Quando um dos dois não acredita, o casamento deixa de ser

 um projeto de vida e passa a ser um papel timbrado

com data e assinatura. Se você for como eu, especialista

em cobrar atitudes e exigir respostas, fica aqui o conselho:

não vale a pena forçar um cara a casar a menos que

você possa ser feliz com esse papel. 

Uma festa de casamento não é, e jamais será, um casamento.

Quando a gente começa a precisar de muitas provas

para se sentir segura talvez seja a hora de admitir

que a gente também deixou de acreditar.



quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

A noite dos papéis trocados

Renata Oliveira está digitando. Não está mais. Voltou agora. Apagou a linha toda e acabou enviando só um sorrisinho. Ele responde:

-       Vou entender como um sim.

Arrepiou inteira. Sabia o quanto queria e o quanto não deveria querer. As mãos pausam sobre o teclado. Ele insiste.

-       Às nove?

Ela respira fundo e aceita. A contagem regressiva começa. Faltam 45 minutos e o cabelo parece sem salvação. Todas as calças legais estão sujas e ela cogita usar aquela legging brilhante. Prova e se sente meio aranhosa. Muita pretensão para uma quarta-feira.

Corre para o chuveiro e só depois lembra que esqueceu a gillete. Molha o banheiro todo, escolhe uma roupa com pressa, deixa a toalha em cima da cama e sai de cabelo molhado. No espelho do elevador, vira de costas e percebe que o jeans do short cedeu. Ato falho. “A única coisa que ele iria notar...”

Estava enganada. Mal abre a porta do carro e ele elogia o bronzeado.

      Deve ter feito sucesso na Bahia...

Tenta controlar a vontade de sorrir de volta, abaixa a cabeça e desvia o olho. Ele insiste.

      Bonita assim, certo que virou ponto turístico.

Coloca a mão na perna dela e aperta um pouquinho:

      Né?

Por baixo dos cabelos soltos ela ri. Adora suas cantadas toscas. Entende que toda a raiva que sentiu nesses últimos dias era só uma vontade frustrada de tê-lo por perto. Agora, a 80 cm de distância, o discurso ensaiado não faz o menor sentido.

Trança seus dedos entre os dedos dele.

      Menos, tá?
Para onde é que a gente tá indo?

      Você gosta de mojito, não?

Na verdade está com fome. Poderia encarar uma churrascaria, mas as segundas intenções vem primeiro. Concorda.

É janeiro e faz um calor abafado. O ano mal começou. As luzes do trânsito deixam a noite mais divertida. Com os reflexos no vidro, olha para ele e repara que tem o achado cada vez mais bonito ultimamente.

No restaurante, escolhem a mesa ao fundo. Ela pergunta do trabalho, conta da viagem e parece acertado pular os assuntos que gerariam conflito. Esquece o celular dentro da bolsa. É sempre com ele que ela quer falar.

O segundo mojito chega junto com uma onda de sinceridade.
Incomodada ela pergunta:

-       Por que você não respondeu?
Você sabe que eu gosto de você.

O tema da conversa são mensagens de ano novo. No quadrado de Trancoso, cheia de amigos, ela jurou pra si mesma que não entraria em contato, mas foi só ver os fogos de artifício para morrer de saudade. Mandou um Whatsapp enquanto ele estava online, mas não teve resposta. Imediatamente, percebeu que a data abaixo do nome tinha sumido.

O ano mal começou e já tinha começado mal. Foram quase seis dias de silêncios e indiretas até que ele decidiu encontrá-la.

-       Você toda linda, lá longe. Você acha o quê?
Que eu tava de boa?

-       Ahh, vai tentar colocar a culpa em mim?
É essa a sua tática?

-       Não, garota, não tenho tática.
Olha pra mim.

Ele chega bem perto e levanta o rosto dela.
Os olhos ficam na mesma altura.

-       Você tá aqui brigando comigo e eu tô até agora querendo te dar um beijo.
Vem cá...

Ela beija. É um beijo conhecido que só tende a melhorar. As pausas, o ritmo, a respiração. Queria ficar mais tempo com ele, mas não vai ser hoje. Reluta, pede a conta, diz que precisa dormir cedo.

Ele a deixa em casa e ela vai embora com um “a gente se fala” atravessado na garganta.

Já são quase meia noite e ele se apressa. Abre a porta com cuidado e estranha as luzes acesas. Ao entrar no quarto, a outra o espera lendo um livro. Ele senta na cama e reclama das horas extras. A moça, de calcinha e sutiã, se comove com o cansaço do marido.

-      Amor, quer que eu faça uma massagem?  


Ontem eu achei um emprego. Hoje eu pedi demissão.

Ontem eu achei um emprego. Hoje eu pedi demissão. Vou explicar o motivo para que vocês se saiam melhor do que eu. Desemprego mata a aut...