terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

O lado bom de envelhecer é o de dentro.


Olhou-se no espelho. Depois de uma adolescência que se estendeu além da conta, finalmente estava envelhecendo. O corpo agora era mais arredondado, tinha descoberto um joanete, uma extensa e mal desenhada linha havia se apossado da sua testa permanentemente. Arrancou os primeiros fios de cabelo branco como um prenúncio: muito em breve perderia boa parte dos seus atributos.

O passar do tempo, que à primeira vista poderia apressar sua seleção amorosa, exercia sobre ela um efeito reverso. Nada agradava. Um a um, descartava os pretendentes sem muito padrão. Às vezes, ela mesmo se via exigente demais. Mas isso era raro. Na maior parte do tempo, tinha a impressão de que poderia embaralhá-los todos com suas camisas bem passadas e seus cortes de cabelo e o resultado seria o mesmo: viria com algum hobby propositalmente caro e um modelo de sucesso meio fora de moda.

Podia adivinhá-los. Mandariam mensagens sem novidades. Prolongariam um beijo de despedida dentro do carro. Narrariam seu dia com tantos detalhes que ela poderia cochilar do outro lado da linha sem que eles notassem. Competiriam secretamente com seus vizinhos pelo melhor carro do condomínio e todo carinho seria expresso por uma enxurrada de diminutivos. Esbanjariam em outlets. Ostentariam telefones.

No longo prazo, as visões eram ainda mais perturbadoras. Imaginava-se presa em um apartamento de folder de imobiliária, com cortinas claustrofóbicas e porcelanato bege. Perderia seus domingos com programas esportivos. Engordaria dois quilos por ano. Dissimularia seu mal-estar diante da vulgaridade das mensagens no grupo da família. Faria drenagem. Ele sugeriria umas aulas de pintura. Instalaria-se um silêncio desconfortável no momento em que ela comentasse que achava comoventes os girassóis quando murcham.

Sempre que ia a esses jantares a dois, ficava evidente que certos tipos de companhia a faziam sentir profundamente desemparelhada. Divertia-se ao pensar que alguns guardavam um ar de noivinho de bolo e mantinha seu sorriso imóvel enquanto imaginava um túnel secreto entre o banheiro do restaurante e a sacada do seu apartamento.

Ainda que as amigas torcessem por um possível romance, a cada ano ficava mais claro que a conveniência jamais compensaria a falta de afinidade e já não via sua felicidade tão atrelada a um padrão. Se tinha um lado bom de envelhecer, era o de dentro. Embora às vezes escorregasse, sentia-se sã o suficiente para desistir de encaixar o que não se encaixa e comprometida a ponto de buscar para si uma história um pouco mais inspiradora.


Ontem eu achei um emprego. Hoje eu pedi demissão.

Ontem eu achei um emprego. Hoje eu pedi demissão. Vou explicar o motivo para que vocês se saiam melhor do que eu. Desemprego mata a aut...