Hoje tenho consciência de que já fiz algumas coisas pela última vez.
Ao olhar para trás, encontro lembranças ótimas de situações que eu
nunca mais gostaria de viver de novo. Todo dia que passa me modifica
um pouco, de modo que algumas coisas que antes eu amava tanto,
agora já não caem bem em mim.
TROTE DE FACULDADE
Recordo perfeitamente eu enfarinhada, com batom na testa,
pedindo dinheiro no semáforo. Por mais suja e
fedorenta que estivesse, na época, valia a pena. Achava até
engraçado passar vergonha para me enturmar.
Quando mudei de curso, fugi do trote. Outro, só quando
eu reencarnar...
NIGHTS
Houve um tempo em que eu vivia para elas. Provava o armário todo,
me arrumava, fazia esquenta. Dançava, bebia, ria. Voltava pra casa
destruída e contente.
Passou. As filas, que nunca eram um problema, agora
são só o que eu enxergo. Fila para entrar, para comprar, para o
banheiro, para pagar, para sair. Perdi a paciência de esperar
e sinto que meus ouvidos já não são tão tolerantes. Fico agoniada
de gritar para conversar e de cumprimentar gente
chata. Morro de nojo sempre que um cara suado esbarra em mim.
MELODRAMA
Quando meu primeiro namoro terminou, foi devastador.
Passei duas semanas chorando e dormindo, perdi 8 kg, me humilhei
até passar do limite. Claro que eu ainda fico mal toda vez que brigo
com quem eu gosto, mas a diferença é que agora sei que
vou sobreviver. Acho que sofro com mais dignidade.
À medida que os anos passam, ficam claros os ciclos: primeiro eram
as festas americanas, depois as de quinze, os shows, as formaturas
e agora são os casamentos. Antes meu pai me buscava, aos 20 achava o
máximo ir dirigindo, hoje dou graças a Deus quando pego carona por
preguiça de estacionar.
Já quis lipo, já quis mega hair, atualmente quero sobrinhos.
quarta-feira, 29 de abril de 2009
segunda-feira, 27 de abril de 2009
Mensagens Indesejadas
Depois de comer uma pizza, os dois em casa como sempre,
ele resolveu olhar os e-mails no computador. Nome, senha,
enter e a ampulheta apareceu. Tentou minimizar a janela,
mas não tinha jeito.
- Meu, não consigo entrar...
- Ai amor, desencana, esse laptop quando trava não tem jeito.
Só desligando...
Roberto até cogitou a hipótese, mas estava sem muita paciência para
isso. Não estava disposto a perder seus últimos dez minutos de paz
esperando atualizar o anti-virus. Precisava chegar no trabalho a uma
e meia e era melhor andar rápido.
- Não dá nada, babe. Vou nessa, disse enquanto tomava o último gole
de coca .
- Me liga quando sair...
Beto cruzou a porta. Amanda voltou e sentou em frente à tela.
Segurou o mouse um pouco sem saco. “Segunda-feira eu levo essa
porcaria pra formatar...”. Pensava como tinha sido enfática na
palavra porcaria quando foi surpreendida pelo Olá Roberto!
no cabeçalho do gmail.
Se em algum momento ela tivesse planejado isso, nunca teria sido
tão fácil. De repente, sem nenhum esforço, o destino a apresentara
ao poço dos segredos dele. Se fosse uma gaveta com cartas reais,
talvez ela nunca tivesse coragem de terminar de girar a chave, ou
só girasse se soubesse que não tinha ninguém em casa.
Mas abrir gavetas virtuais não deixa testemunhas.
Entro? Não entro. Entro? Não entro... Entro..É, só um pouquinho...
Pra dar uma checada... se não tiver nada eu saio logo... Aos poucos,
Amanda foi se convencendo de que invadir a caixa de entrada do
namorado não era uma falta grave, era apenas uma confirmação de
fidelidade, extremamente necessária.
Conferiu um por um. Promoção da Saraiva, cartões Vox Cards
com os vírus de sempre, vagas de estágio da universidade.Procurou
nas mensagens enviadas e se sentiu um pouco culpada: encontrou
vários e-mails que ele escreveu para ela na última viagem.
Decidiu fazer a pesquisa. Procurou a palavra “amor”, que é como ele
se despede por escrito. Encontrou exatamente 102 ocorrências.
Palestra sobre amor na logosofia. “Olha que amor”, título do e-mail
da tia com as fotos do cachorro recém nascido. Quando estava indo
para a página 4 seus olhos tropeçaram em um sobrenome vagamente
conhecido.
“O amor não tem fronteiras”. Suspeito.
Clicou. Claro que conhecia. Era um spam enviado pela ex dele.
O texto tinha alguma coisa de bonito e uma coleção de clichês. Fora
mandado um ano atrás, quando Roberto e Amanda já namoravam.
Amanda ficou com isso na cabeça. Não encontrou detalhes sórdidos
de uma noite de sexo, não encontrou comentários comprometedores
dos amigos sobre as vezes em que ele saiu sozinho, encontrou apenas
um spam da ex.
Mesmo assim, odiou imaginar Roberto abrindo aquele e-mail como quem
espera uma declaração. Odiou imaginá-lo triste ao perceber que havia
mais umas quinze pessoas na lista de remetentes. E odiou mais ainda
pensar que ele só não deletou o spam porque era a ex quem tinha
mandado. Ao contrário, guardou-o carinhosamente numa
pasta chamada “Fê”.
ele resolveu olhar os e-mails no computador. Nome, senha,
enter e a ampulheta apareceu. Tentou minimizar a janela,
mas não tinha jeito.
- Meu, não consigo entrar...
- Ai amor, desencana, esse laptop quando trava não tem jeito.
Só desligando...
Roberto até cogitou a hipótese, mas estava sem muita paciência para
isso. Não estava disposto a perder seus últimos dez minutos de paz
esperando atualizar o anti-virus. Precisava chegar no trabalho a uma
e meia e era melhor andar rápido.
- Não dá nada, babe. Vou nessa, disse enquanto tomava o último gole
de coca .
- Me liga quando sair...
Beto cruzou a porta. Amanda voltou e sentou em frente à tela.
Segurou o mouse um pouco sem saco. “Segunda-feira eu levo essa
porcaria pra formatar...”. Pensava como tinha sido enfática na
palavra porcaria quando foi surpreendida pelo Olá Roberto!
no cabeçalho do gmail.
Se em algum momento ela tivesse planejado isso, nunca teria sido
tão fácil. De repente, sem nenhum esforço, o destino a apresentara
ao poço dos segredos dele. Se fosse uma gaveta com cartas reais,
talvez ela nunca tivesse coragem de terminar de girar a chave, ou
só girasse se soubesse que não tinha ninguém em casa.
Mas abrir gavetas virtuais não deixa testemunhas.
Entro? Não entro. Entro? Não entro... Entro..É, só um pouquinho...
Pra dar uma checada... se não tiver nada eu saio logo... Aos poucos,
Amanda foi se convencendo de que invadir a caixa de entrada do
namorado não era uma falta grave, era apenas uma confirmação de
fidelidade, extremamente necessária.
Conferiu um por um. Promoção da Saraiva, cartões Vox Cards
com os vírus de sempre, vagas de estágio da universidade.Procurou
nas mensagens enviadas e se sentiu um pouco culpada: encontrou
vários e-mails que ele escreveu para ela na última viagem.
Decidiu fazer a pesquisa. Procurou a palavra “amor”, que é como ele
se despede por escrito. Encontrou exatamente 102 ocorrências.
Palestra sobre amor na logosofia. “Olha que amor”, título do e-mail
da tia com as fotos do cachorro recém nascido. Quando estava indo
para a página 4 seus olhos tropeçaram em um sobrenome vagamente
conhecido.
“O amor não tem fronteiras”. Suspeito.
Clicou. Claro que conhecia. Era um spam enviado pela ex dele.
O texto tinha alguma coisa de bonito e uma coleção de clichês. Fora
mandado um ano atrás, quando Roberto e Amanda já namoravam.
Amanda ficou com isso na cabeça. Não encontrou detalhes sórdidos
de uma noite de sexo, não encontrou comentários comprometedores
dos amigos sobre as vezes em que ele saiu sozinho, encontrou apenas
um spam da ex.
Mesmo assim, odiou imaginar Roberto abrindo aquele e-mail como quem
espera uma declaração. Odiou imaginá-lo triste ao perceber que havia
mais umas quinze pessoas na lista de remetentes. E odiou mais ainda
pensar que ele só não deletou o spam porque era a ex quem tinha
mandado. Ao contrário, guardou-o carinhosamente numa
pasta chamada “Fê”.
sexta-feira, 24 de abril de 2009
Apesar dos negativos
Fotos contam historias, fotos falam por si. Recentes ou envelhecidas,
só quem viveu sabe da mágica peculiar contida em cada um desses
retângulos de papel. Combustível da saudade, freiam o tempo e têm
o poder de trazer de volta um rua que não este mais, a infância que o
tempo soprou, o abraço de alguém que se foi.Fotos são um certificado
de vida, a prova de que alguém amou. Amor de pai, de amigo, de irmão,
nenhum outro tipo de amor é tão revelado quanto o amor amor.
Mas logo que o romance termina os beijos acabam amassados no lixeiro
do quarto. A justificativa é sempre a mesma: é preciso esquecer.
Esquecer um grande amor é difícil e demorado. Por mais que se evite
pensar no fim, uma musica toca e o processo de amnésia seletiva vai por
lágrima abaixo. Uma vez, outra vez, outra vez, até que um dia a musica
vem e o choro não. Pronto. O riso volta pra casa, o coração fica leve.
A gente fala e acredita que esqueceu. Não é bem por ai.
O esquecimento não passa de uma maneira pratica que a cabeça
inventou para acabar com o problema da falta de espaço, rudimentar
como arrumar uma gaveta de escrivaninha.Do mesmo jeito que as
caneta sem carga,somem dos pensamentos o telefone do dentista e
os números do cpf, num processo de autoclean que não apaga a mão,
o beijo, o cheiro de um ex.
Não é por acaso que as paixões resistem a essa borracha inconsciente:
mais que deletados, os amores precisam ser aprendidos. Limitar o
ciúme, administrar a saudade, valorizar os amigos e os conselhos
que eles dão. Só o repensar dos nossos erros e acertos pode
aumentar as chances num próximo affair. Para quem se resigna
a remoer mágoas, a novela tem sempre o mesmo final infeliz.
Esquecer um grande amor é arrancar o melhor do passado e
abrir as portas para um novo fracasso. Se a tristeza é inevitável
cabe a cada um decidir quão longa, intensa e reveladora ela será.
Só não sofre com a separação quem nunca esteve perto, quem nunca
esbarrou na felicidade real de gostar de alguém. Pense nos finais de
semana, nas mensagens de boa noite no celular, e se ainda houver
alguma dúvida de que relembrar vale a pena basta pegar as fotos e
ouvir o que elas têm a dizer.
*** Este texto é bem antigo também. Estou meio ocupada essa semana
corrigindo os textos da Mundo Equestre e um livro sobre pelagens de
cavalo.
só quem viveu sabe da mágica peculiar contida em cada um desses
retângulos de papel. Combustível da saudade, freiam o tempo e têm
o poder de trazer de volta um rua que não este mais, a infância que o
tempo soprou, o abraço de alguém que se foi.Fotos são um certificado
de vida, a prova de que alguém amou. Amor de pai, de amigo, de irmão,
nenhum outro tipo de amor é tão revelado quanto o amor amor.
Mas logo que o romance termina os beijos acabam amassados no lixeiro
do quarto. A justificativa é sempre a mesma: é preciso esquecer.
Esquecer um grande amor é difícil e demorado. Por mais que se evite
pensar no fim, uma musica toca e o processo de amnésia seletiva vai por
lágrima abaixo. Uma vez, outra vez, outra vez, até que um dia a musica
vem e o choro não. Pronto. O riso volta pra casa, o coração fica leve.
A gente fala e acredita que esqueceu. Não é bem por ai.
O esquecimento não passa de uma maneira pratica que a cabeça
inventou para acabar com o problema da falta de espaço, rudimentar
como arrumar uma gaveta de escrivaninha.Do mesmo jeito que as
caneta sem carga,somem dos pensamentos o telefone do dentista e
os números do cpf, num processo de autoclean que não apaga a mão,
o beijo, o cheiro de um ex.
Não é por acaso que as paixões resistem a essa borracha inconsciente:
mais que deletados, os amores precisam ser aprendidos. Limitar o
ciúme, administrar a saudade, valorizar os amigos e os conselhos
que eles dão. Só o repensar dos nossos erros e acertos pode
aumentar as chances num próximo affair. Para quem se resigna
a remoer mágoas, a novela tem sempre o mesmo final infeliz.
Esquecer um grande amor é arrancar o melhor do passado e
abrir as portas para um novo fracasso. Se a tristeza é inevitável
cabe a cada um decidir quão longa, intensa e reveladora ela será.
Só não sofre com a separação quem nunca esteve perto, quem nunca
esbarrou na felicidade real de gostar de alguém. Pense nos finais de
semana, nas mensagens de boa noite no celular, e se ainda houver
alguma dúvida de que relembrar vale a pena basta pegar as fotos e
ouvir o que elas têm a dizer.
*** Este texto é bem antigo também. Estou meio ocupada essa semana
corrigindo os textos da Mundo Equestre e um livro sobre pelagens de
cavalo.
domingo, 19 de abril de 2009
Colégio interno
***Dentro de mim, métodos antigos para "ensinar a lição" ***
Minha raiva me enche de razão. Toda vez que me sinto
injustiçada é como se eu recebesse uma autorização para
ser cruel. Tenho vontade de ferir até que a outra pessoa
se arrependa, até que ela perceba o tamanho do erro.
Parece didático que cada pisada na bola mereça uma punição.
O castigo deve ser ruim o suficiente para que garantir que
aquilo nunca mais se repita. A ofensa justifica a minha
vontade de vingança.
Mas isso é só num segundo estágio. Primeiro, a raiva me
rouba as palavras. Sem qualquer possibilidade de articular
meus pensamentos, eu choro. Demoro a acreditar que está
mesmo acontecendo. Queria ser dessas que quebram coisas
na parede, mas a agressividade não faz parte do meu instinto.
Choro até cansar. Depois, ai de quem estiver por perto.
Sou sincera muito além do que a educação permite.
Enfio a unha em cada defeito alheio, despejo tudo o que me
incomoda de uma vez só. Distorço as situações a meu favor e ,
claro, não saio impune. Cada acusação é rebatida na mesma
medida. A discussão engrossa. Saio despedaçada e, despedaçada,
eu me fecho.
Remôo todas as cenas incessantemente e sinto que o amor
vai secando de mim. Azedo por inteiro. Chego a pensar que não
vai me fazer falta, mas no fundo sei que me engano. Porque raiva
não é rancor. Raiva passa. E quando vai embora deixa um rombo
enorme, um buraco que ajudei a cavar.
Na esperança de provocar arrependimento, eu mesma
digo coisas de que me arrependo e faço coisas das quais não me
orgulho. Confundo justiça com equilíbrio: dou o troco, magoo igual.
Confortável reclamar de impaciência e intolerância quando todos
os defeitos estão do outro lado. Às vezes, me falta espelho; às vezes
me falta gratidão...
*** Em Santa Catarina, a raiva matou mais que o tráfico no primeiro
semestre de 2009. Os crimes passionais somados aos assassinatos
por desavenças tiraram a vida de 75 pessoas. As drogas levaram 45.
(dados da Secretaria de Segurança Pública)
Minha raiva me enche de razão. Toda vez que me sinto
injustiçada é como se eu recebesse uma autorização para
ser cruel. Tenho vontade de ferir até que a outra pessoa
se arrependa, até que ela perceba o tamanho do erro.
Parece didático que cada pisada na bola mereça uma punição.
O castigo deve ser ruim o suficiente para que garantir que
aquilo nunca mais se repita. A ofensa justifica a minha
vontade de vingança.
Mas isso é só num segundo estágio. Primeiro, a raiva me
rouba as palavras. Sem qualquer possibilidade de articular
meus pensamentos, eu choro. Demoro a acreditar que está
mesmo acontecendo. Queria ser dessas que quebram coisas
na parede, mas a agressividade não faz parte do meu instinto.
Choro até cansar. Depois, ai de quem estiver por perto.
Sou sincera muito além do que a educação permite.
Enfio a unha em cada defeito alheio, despejo tudo o que me
incomoda de uma vez só. Distorço as situações a meu favor e ,
claro, não saio impune. Cada acusação é rebatida na mesma
medida. A discussão engrossa. Saio despedaçada e, despedaçada,
eu me fecho.
Remôo todas as cenas incessantemente e sinto que o amor
vai secando de mim. Azedo por inteiro. Chego a pensar que não
vai me fazer falta, mas no fundo sei que me engano. Porque raiva
não é rancor. Raiva passa. E quando vai embora deixa um rombo
enorme, um buraco que ajudei a cavar.
Na esperança de provocar arrependimento, eu mesma
digo coisas de que me arrependo e faço coisas das quais não me
orgulho. Confundo justiça com equilíbrio: dou o troco, magoo igual.
Confortável reclamar de impaciência e intolerância quando todos
os defeitos estão do outro lado. Às vezes, me falta espelho; às vezes
me falta gratidão...
*** Em Santa Catarina, a raiva matou mais que o tráfico no primeiro
semestre de 2009. Os crimes passionais somados aos assassinatos
por desavenças tiraram a vida de 75 pessoas. As drogas levaram 45.
(dados da Secretaria de Segurança Pública)
Amores Express
A pizza vem congelada, a roupa lava sozinha, o Mc donald´s
entrega em casa, e o filme não precisa mais rebobinar.
Ninguém abre a Barsa para fazer um trabalho, cada um
tem seu celular. De uns tempos para cá, ficou tudo tão
cômodo que a gente até se esqueceu que nem sempre
foi assim.
A tecnologia nos deu um mundo novo: mais rápido, mais
fácil e, antes de mais nada, passageiro. O hotmail rasga
automaticamente as minhas cartas; as fotos somem sempre
que o computador estraga; todo mês, surgem milhares de
modelos de telefone. Estranho? Claro que não. Já estamos tão
acostumados que mal percebemos a insolidez e
instantaneidade das coisas.
E não é à toa. Nós vestimos assim, comemos assim, e o mais
triste: nossos relacionamentos também são assim.
A minha geração inventou o ficar e admite tranquilamente
o sexo sem compromisso. Diferente da minha mãe, eu não
preciso namorar para beijar na boca, nem casar para deixar
de ser virgem e se aos 17 eu me sentia em vantagem, hoje
eu começo a apreciar aquela época.
Para onde foram as promessas, os planos, as declarações? O que
aconteceu com a intimidade, o respeito e a confiança? Será que
ninguém mais acredita na felicidade calma das quartas-feiras chuvosas,
da alegria constante de se querer quem se tem?
A verdade é que eu cansei dessas competições infames do
“quem demora mais para mandar mensagem”, chega do teatro infantil do
“vou fingir que não vi”. O amor é um jogo esquisito, em que
só se ganha quando dá empate. Não quero sair por cima,
muito menos sair por baixo. Quero sair ao lado, e de
mãozinha se for possível.
O consumismo nos induz a um estado de insatisfação permanente,
que aplaude o descartável e abomina tudo que for para sempre.
Talvez seja por isso que a idéia de amar assuste tanto. A concepção
de um sentimento duradouro e complicado contraria os valores vigentes
tornando-nos confusos e vulneráveis. É fácil conquistar
alguém por uma noite, é fácil ser atraído por um decote, difícil é querer
estar junto o tempo todo, difícil é morrer de ciúme...
Eu posso parecer atrasada ou até meio cafona. Simplesmente
não tenho outra opção. Enquanto a internet não disponibiliza
uma versão melhor, eu fico com esse meu coração de sempre,
que já não acredita em romances express, nem se contenta
com amostras grátis de amor.
entrega em casa, e o filme não precisa mais rebobinar.
Ninguém abre a Barsa para fazer um trabalho, cada um
tem seu celular. De uns tempos para cá, ficou tudo tão
cômodo que a gente até se esqueceu que nem sempre
foi assim.
A tecnologia nos deu um mundo novo: mais rápido, mais
fácil e, antes de mais nada, passageiro. O hotmail rasga
automaticamente as minhas cartas; as fotos somem sempre
que o computador estraga; todo mês, surgem milhares de
modelos de telefone. Estranho? Claro que não. Já estamos tão
acostumados que mal percebemos a insolidez e
instantaneidade das coisas.
E não é à toa. Nós vestimos assim, comemos assim, e o mais
triste: nossos relacionamentos também são assim.
A minha geração inventou o ficar e admite tranquilamente
o sexo sem compromisso. Diferente da minha mãe, eu não
preciso namorar para beijar na boca, nem casar para deixar
de ser virgem e se aos 17 eu me sentia em vantagem, hoje
eu começo a apreciar aquela época.
Para onde foram as promessas, os planos, as declarações? O que
aconteceu com a intimidade, o respeito e a confiança? Será que
ninguém mais acredita na felicidade calma das quartas-feiras chuvosas,
da alegria constante de se querer quem se tem?
A verdade é que eu cansei dessas competições infames do
“quem demora mais para mandar mensagem”, chega do teatro infantil do
“vou fingir que não vi”. O amor é um jogo esquisito, em que
só se ganha quando dá empate. Não quero sair por cima,
muito menos sair por baixo. Quero sair ao lado, e de
mãozinha se for possível.
O consumismo nos induz a um estado de insatisfação permanente,
que aplaude o descartável e abomina tudo que for para sempre.
Talvez seja por isso que a idéia de amar assuste tanto. A concepção
de um sentimento duradouro e complicado contraria os valores vigentes
tornando-nos confusos e vulneráveis. É fácil conquistar
alguém por uma noite, é fácil ser atraído por um decote, difícil é querer
estar junto o tempo todo, difícil é morrer de ciúme...
Eu posso parecer atrasada ou até meio cafona. Simplesmente
não tenho outra opção. Enquanto a internet não disponibiliza
uma versão melhor, eu fico com esse meu coração de sempre,
que já não acredita em romances express, nem se contenta
com amostras grátis de amor.
quinta-feira, 16 de abril de 2009
Qual é o cheiro do céu?
Tente imaginar uma cor que ainda não existe.
Uma nova forma geométrica.
Uma textura inédita,
Um gosto que você nunca provou.
Dizem que a mente não tem fronteiras,
A minha tem. E a sua?
Uma nova forma geométrica.
Uma textura inédita,
Um gosto que você nunca provou.
Dizem que a mente não tem fronteiras,
A minha tem. E a sua?
segunda-feira, 13 de abril de 2009
domingo, 12 de abril de 2009
Fargo
Quando me perguntavam se eu gostei de Fargo, eu dizia
que o filme realmente merecia o Oscar.
Se me perguntavem sobre o que era a história, eu respondia
convicta: "sobre amigos que encontram uma mala de dinheiro
num avião e acabam matando um monte de gente".
E foi assim durante muitos anos. Não sei para quantas
pessoas eu já indiquei o filme, mas aposto que todas elas
devem ter me odiado, ou pelo menos me achado muito estranha.
Ontem eu descobri que eu nunca tinha visto Fargo. Eu me confundi.
Fargo é sobre um homem que simula o sequestro dá mulher.
Não tem mala nenhuma. Nem avião. Eu vi outro filme
achando que era Fargo.
E o pior é que eu tinha certeza absoluta.
sábado, 11 de abril de 2009
Blusas velhas
Todos os anos eu faço a mesma promessa: "Vou dar todas as roupas
que não uso". Faço uma limpa no armário, separo um monte de coisas,
mas nunca consigo cumprir meu compromisso por dois tipos de roupa:
as gastas que eu amo e as que "um dia eu vou usar".
O primeiro grupo é fácil de reconhecer: blusas de malha cheias de
bolinha, calças jeans finas de tanto ir para a máquina, shorts que
nunca vão voltar a ser brancos. Roupas que me lembram tanta coisa
boa que ficar sem elas seria como rasgar uma foto, ou apagar o
telefone de alguém que eu gosto.
O segundo grupo são roupas que eu acho lindas e, que por algum
motivo, não ficam bem. Alças que não aceitam sutiã, barriga de
fora, coisas que comprei meio pequenas, achando que eu ia
emagrecer. Antes de uma festa, eu insisto em prová-las,
mas antes de vestir eu já sei que vou acabar escolhendo
outra opção. Guardo pensando que o dia delas vai chegar.
O da minha blusa azul chegou. Depois de três anos no
guarda-roupa estreei-a ontem a noite. Mas fiquei com
uma dúvida:
Uma blusa de 2006 que nunca foi lavada é nova ou velha?
que não uso". Faço uma limpa no armário, separo um monte de coisas,
mas nunca consigo cumprir meu compromisso por dois tipos de roupa:
as gastas que eu amo e as que "um dia eu vou usar".
O primeiro grupo é fácil de reconhecer: blusas de malha cheias de
bolinha, calças jeans finas de tanto ir para a máquina, shorts que
nunca vão voltar a ser brancos. Roupas que me lembram tanta coisa
boa que ficar sem elas seria como rasgar uma foto, ou apagar o
telefone de alguém que eu gosto.
O segundo grupo são roupas que eu acho lindas e, que por algum
motivo, não ficam bem. Alças que não aceitam sutiã, barriga de
fora, coisas que comprei meio pequenas, achando que eu ia
emagrecer. Antes de uma festa, eu insisto em prová-las,
mas antes de vestir eu já sei que vou acabar escolhendo
outra opção. Guardo pensando que o dia delas vai chegar.
O da minha blusa azul chegou. Depois de três anos no
guarda-roupa estreei-a ontem a noite. Mas fiquei com
uma dúvida:
Uma blusa de 2006 que nunca foi lavada é nova ou velha?
quinta-feira, 9 de abril de 2009
Por que não "anuais"?
Agora que está na moda falar das mudanças na Língua Portuguesa,
gostaria de propor uma alteração.
Quero eliminar o significado de “relativo a ano” da palavra “anais”.
Entendo que o duplo sentido pode causar constrangimentos
desnecessários.
Nunca me sinto confortável a pronunciar "anais" em voz alta
porque é inevitável que não me passe nada engraçado pela cabeça.
Ás vezes, numa reunião bem séria, alguém que nunca falaria
“bunda” enche a boca para dizer que “Consta nos ANAIS da
Academia Brasileira de Letras...”
Escuto sem rir porque sei que está certo, mas será que não é
um erro usar a mesma palavra para coisas tão diferentes?
Ânus e ano não têm absolutamente nada a ver.
terça-feira, 7 de abril de 2009
Segredos publicados
Hoje eu fui ao Presídio Feminino de Florianópolis. Tinha que entregar
o jornal com a reportagem que fiz sobre as mulheres de lá. Era dia de
visita e a fila estava grande. Vi possíveis namorados, irmãs, mães.
Escutei conversas que não eram minhas, uma perguntava a diferença
entre sentença e julgamento, outro comentava que vinha toda
semana há um ano e três meses.
Enquanto aguardava que a Administração me abrisse o portão
para que pudesse deixar os exemplares, reli a lista dos itens
permitidos nas visitas íntimas (uma toalha de banho, um
maço de cigarro e uma barra de chocolate) e a regulamentação
sobre a roupa das visitantes (saia sem forro, calças capri
e nada de jaquetas).
Um homem baixinho de camisa vermelha veio perguntar
o que eu queria. Expliquei o propósito da minha visita.
Deixei os seis jornais lá.
Entrei no carro com medo. Tinha que a certeza que
reportagem seria passada de mão em mão.
Será que eu fui justa?
Eu espremi a intimidade daquelas mulheres em não mais
que quinze parágrafos. Falei sobre suas infâncias doídas,
sobre suas angústias e expectativas.
Será que era isso mesmo?
Será que eu fui sensível o suficiente?
No Jornalismo, dizem que a gente deve ser objetivo.
Simples assim. O exemplo dado é " Em vez de dizer
que o homem é alto, digam que ele tem um 1,80 m. "
Realmente, o conselho é ótimo para distâncias,
pesos e alturas, mas falta que me deem a escala
da frustração, do cansaço, do tédio.
Falta também que me provem que ser
objetivo é ser honesto.
Eu não inventei nenhum dos diálogos, mas será que
escolhi os certos?
Não sei onde vão dormir os jornais que eu deixei hoje
no presídio.
Não sei como vão dormir as moças que entrevistei.
Eu vou dormir pensando na responsabilidade que é contar
a história de alguém.
***
Conversei com três presidiárias. A que pensava que sairia em março ainda está lá. A Ana Paula, de 19 anos, já saiu e já voltou. Fiquei contente pela Suzi, que teve o bebê e voltou para casa.
o jornal com a reportagem que fiz sobre as mulheres de lá. Era dia de
visita e a fila estava grande. Vi possíveis namorados, irmãs, mães.
Escutei conversas que não eram minhas, uma perguntava a diferença
entre sentença e julgamento, outro comentava que vinha toda
semana há um ano e três meses.
Enquanto aguardava que a Administração me abrisse o portão
para que pudesse deixar os exemplares, reli a lista dos itens
permitidos nas visitas íntimas (uma toalha de banho, um
maço de cigarro e uma barra de chocolate) e a regulamentação
sobre a roupa das visitantes (saia sem forro, calças capri
e nada de jaquetas).
Um homem baixinho de camisa vermelha veio perguntar
o que eu queria. Expliquei o propósito da minha visita.
Deixei os seis jornais lá.
Entrei no carro com medo. Tinha que a certeza que
reportagem seria passada de mão em mão.
Será que eu fui justa?
Eu espremi a intimidade daquelas mulheres em não mais
que quinze parágrafos. Falei sobre suas infâncias doídas,
sobre suas angústias e expectativas.
Será que era isso mesmo?
Será que eu fui sensível o suficiente?
No Jornalismo, dizem que a gente deve ser objetivo.
Simples assim. O exemplo dado é " Em vez de dizer
que o homem é alto, digam que ele tem um 1,80 m. "
Realmente, o conselho é ótimo para distâncias,
pesos e alturas, mas falta que me deem a escala
da frustração, do cansaço, do tédio.
Falta também que me provem que ser
objetivo é ser honesto.
Eu não inventei nenhum dos diálogos, mas será que
escolhi os certos?
Não sei onde vão dormir os jornais que eu deixei hoje
no presídio.
Não sei como vão dormir as moças que entrevistei.
Eu vou dormir pensando na responsabilidade que é contar
a história de alguém.
***
Conversei com três presidiárias. A que pensava que sairia em março ainda está lá. A Ana Paula, de 19 anos, já saiu e já voltou. Fiquei contente pela Suzi, que teve o bebê e voltou para casa.
segunda-feira, 6 de abril de 2009
Decepções no Zoológico de Pomerode
Elefantes:
Um elefante e uma elefoa dançando. O balanço maternal da fêmea,
o passo tímido do macho. Tão imensos numa cerquinha daquelas.
O que era para ser uma piscina parece uma poça de concreto.
Nem de longe lembra o lugar em que eles deveriam estar.
Um elefante que não migra, dança.
Leão:
O leão é um gato com jeito de cachorro.
Se coça como um cão, rola no chão, mas tem os olhos
precisos de um felino. Um leão magro é só meio leão.
Tigre:
Demarcar território já não tem o mesmo significado.
O território já está demarcado. São três
cercas de arame de quatro metros de altura.
As pessoas encostam na grade e gritam, mas o tigre já está cansado.
Com o passo lento, chega perto do muro transparente , pára, volta.
Não há perigo. Nem novidade. É só incomodo de sempre.
Um elefante e uma elefoa dançando. O balanço maternal da fêmea,
o passo tímido do macho. Tão imensos numa cerquinha daquelas.
O que era para ser uma piscina parece uma poça de concreto.
Nem de longe lembra o lugar em que eles deveriam estar.
Um elefante que não migra, dança.
Leão:
O leão é um gato com jeito de cachorro.
Se coça como um cão, rola no chão, mas tem os olhos
precisos de um felino. Um leão magro é só meio leão.
Tigre:
Demarcar território já não tem o mesmo significado.
O território já está demarcado. São três
cercas de arame de quatro metros de altura.
As pessoas encostam na grade e gritam, mas o tigre já está cansado.
Com o passo lento, chega perto do muro transparente , pára, volta.
Não há perigo. Nem novidade. É só incomodo de sempre.
domingo, 5 de abril de 2009
O glorioso fim do cavalo invisível
Um cavalo morreu atropelado na Beira Mar. Ele e mais quatro
fugiram do pasto onde ficavam, ao lado do Hospital Infantil e
foram para a grama ao lado da casa do governador. O cavalo
pertencia a um catador de papel. Fiquei comovida.
O pasto onde dormiam os cavalos estava longe de ser
um lugar tranquilo. O entra e sai das ambulâncias, o barulho das sirenes.
Ao lado do Hospital Infantil, as noites nunca tinham sido boas,
mas pareciam melhores quando comparadas aos dias.
A rotina os apresentara cedo à estrada, ao peso e ao chicote.
A aspereza do dia-a-dia os fortalecera. Apesar do trote frouxo
e do couro feito veludo velho, suportavam
diariamente o calor do asfalto, a pressão da sela, o pavor do
trânsito e o desconforto dos arreios.
Com a submissão própria de um cavalo, simplesmente aceitavam.
Nunca tinham tido um único plano de liberdade até perceberem
que não precisavam de um. A cerca não existia.
Impulsionados pela fome, desceram pelo trajeto de sempre,
sem nem se darem conta da ousadia da fuga e comeram livres
um dos canteiros da beira mar. O cavalo preto decidiu pastar
no outro lado da pista. Atravessou. Ao ver que o carro se aproximava,
desconfiou, pela primeira vez, da função dos puxões no canto da boca.
Indeciso entre a esquerda e a direita, ficou ali.
A morte chegou num carro prateado.
Não houve arrependimento.
Seus últimos momentos foram de glória.
Sentiu a inclinação da ladeira do hospital sem
o trabalho do peso nas costas.
Mastigou com gosto a grama úmida da casa do Governador.
Foi manchete da TV ao meio dia e destaque do jornal da noite.
E antes que a polícia chegasse, os curiosos já haviam constatado:
o bicho de 350 kg estendido no acostamento era um cavalo.
Enfim, a morte tornou visível o cavalo que ninguém enxerga,
que se apaga perante a incômoda ideia de que o nosso conforto
produz tanto lixo, frente ao pensamento pungente de que alguém
sobrevive da nossa sujeira.
Quem dirige, vê a carroça; seu dono, vê o sustento.
Em meio a tantos jogos tecnológicos e mundos virtuais,
é provável que só as crianças notassem a presença do equino na rua e
cutucassem suas mães, impacientes com a lentidão do trânsito:
“um cavalo de verdade, mamãe”.
Mas ser adulto hoje é assim mesmo: a gente só enxerga
o cavalo depois que ele morre.
fugiram do pasto onde ficavam, ao lado do Hospital Infantil e
foram para a grama ao lado da casa do governador. O cavalo
pertencia a um catador de papel. Fiquei comovida.
O glorioso fim do cavalo invisível
O pasto onde dormiam os cavalos estava longe de ser
um lugar tranquilo. O entra e sai das ambulâncias, o barulho das sirenes.
Ao lado do Hospital Infantil, as noites nunca tinham sido boas,
mas pareciam melhores quando comparadas aos dias.
A rotina os apresentara cedo à estrada, ao peso e ao chicote.
A aspereza do dia-a-dia os fortalecera. Apesar do trote frouxo
e do couro feito veludo velho, suportavam
diariamente o calor do asfalto, a pressão da sela, o pavor do
trânsito e o desconforto dos arreios.
Com a submissão própria de um cavalo, simplesmente aceitavam.
Nunca tinham tido um único plano de liberdade até perceberem
que não precisavam de um. A cerca não existia.
Impulsionados pela fome, desceram pelo trajeto de sempre,
sem nem se darem conta da ousadia da fuga e comeram livres
um dos canteiros da beira mar. O cavalo preto decidiu pastar
no outro lado da pista. Atravessou. Ao ver que o carro se aproximava,
desconfiou, pela primeira vez, da função dos puxões no canto da boca.
Indeciso entre a esquerda e a direita, ficou ali.
A morte chegou num carro prateado.
Não houve arrependimento.
Seus últimos momentos foram de glória.
Sentiu a inclinação da ladeira do hospital sem
o trabalho do peso nas costas.
Mastigou com gosto a grama úmida da casa do Governador.
Foi manchete da TV ao meio dia e destaque do jornal da noite.
E antes que a polícia chegasse, os curiosos já haviam constatado:
o bicho de 350 kg estendido no acostamento era um cavalo.
Enfim, a morte tornou visível o cavalo que ninguém enxerga,
que se apaga perante a incômoda ideia de que o nosso conforto
produz tanto lixo, frente ao pensamento pungente de que alguém
sobrevive da nossa sujeira.
Quem dirige, vê a carroça; seu dono, vê o sustento.
Em meio a tantos jogos tecnológicos e mundos virtuais,
é provável que só as crianças notassem a presença do equino na rua e
cutucassem suas mães, impacientes com a lentidão do trânsito:
“um cavalo de verdade, mamãe”.
Mas ser adulto hoje é assim mesmo: a gente só enxerga
o cavalo depois que ele morre.
sexta-feira, 3 de abril de 2009
Prazer, Sarah
Era melhor quando tinha que responder só o nome, o endereço
e a data do nascimento.
Mas não é isso que pede o lado direito desta tela. Eu devo dizer
quem eu sou, e isso é muito complicado, porque só sei me descrever
de modo absurdamente desinteressante.
E sei porque treinei muito.
A minha prática em falar sobre mim mesma começou há
17 anos, no colégio. Primeiro dia de aula, todo mundo se olhando.
"Agora peço que vocês se apresentem por ordem de
chamada."- diz a professora.
Quando chega a minha vez, já estão querendo ir embora. Meu
nome começa com S e, quando dou sorte eu sou a penúltima.
Falo bem rápido: "Me chamo Sarah, sou de Forianópolis e tenho X anos."
Foi assim durante os 11 anos de escola, 2 e meio de cursinho e
quase 6 de faculdade.
Mas o maior problema é que fora da aula eu consigo ser ainda mais
chata: "Prazer.Sarah. Eu estudo Jornalismo..."
Ninguém estranha porque já está acostumado, mas, se for
prestar atenção, isso é mesmo tão importante?
Antes eu fazia Medicina, será que eu era outra?
Ou se morasse no Estreito, ou se tivesse nascido
em Outubro, qual seria a grande diferença?
Numa dessa, se dissesse "Prazer, Sarah. Eu sou horrível nos
esportes e não faço ginástica" ficasse mais especifico.
Pode ser que alguém pensasse duas vezes antes de me
convidar para correr na beiramar,
fazer trilha ou comer uma salada, por exemplo. E se eu começasse
com "Perco a chave de casa e o controle do portão umas três
vezes por dia. Pelo menos" ?
Minhas amigas achariam normal. Meu irmão mais velho ia
desconfiar: "Só três?" No caso de uma entrevista de trabalho,
eu seria imediatamente eliminada.
Existe ainda um perigo maior que o desemprego: a pergunta é
"quem eu sou" e eu só consigo responder "Como eu me vejo".
Assumo que meu ponto de vista é bem tendencioso.
Estou propensa a gostar de mim.
Rabisquei umas coisas no caderno hoje. Está desconectado por enquanto.
Como sou eu quem escrevo, pensei em deixar meus defeitos para o final.
Vou continuar amanhã. Corro o risco de acordar, achar horrível, e
começar tudo de novo.
"Quem eu sou" é muito amplo.
"Quem eu estou" já é difícil o suficiente.
e a data do nascimento.
Mas não é isso que pede o lado direito desta tela. Eu devo dizer
quem eu sou, e isso é muito complicado, porque só sei me descrever
de modo absurdamente desinteressante.
E sei porque treinei muito.
A minha prática em falar sobre mim mesma começou há
17 anos, no colégio. Primeiro dia de aula, todo mundo se olhando.
"Agora peço que vocês se apresentem por ordem de
chamada."- diz a professora.
Quando chega a minha vez, já estão querendo ir embora. Meu
nome começa com S e, quando dou sorte eu sou a penúltima.
Falo bem rápido: "Me chamo Sarah, sou de Forianópolis e tenho X anos."
Foi assim durante os 11 anos de escola, 2 e meio de cursinho e
quase 6 de faculdade.
Mas o maior problema é que fora da aula eu consigo ser ainda mais
chata: "Prazer.Sarah. Eu estudo Jornalismo..."
Ninguém estranha porque já está acostumado, mas, se for
prestar atenção, isso é mesmo tão importante?
Antes eu fazia Medicina, será que eu era outra?
Ou se morasse no Estreito, ou se tivesse nascido
em Outubro, qual seria a grande diferença?
Numa dessa, se dissesse "Prazer, Sarah. Eu sou horrível nos
esportes e não faço ginástica" ficasse mais especifico.
Pode ser que alguém pensasse duas vezes antes de me
convidar para correr na beiramar,
fazer trilha ou comer uma salada, por exemplo. E se eu começasse
com "Perco a chave de casa e o controle do portão umas três
vezes por dia. Pelo menos" ?
Minhas amigas achariam normal. Meu irmão mais velho ia
desconfiar: "Só três?" No caso de uma entrevista de trabalho,
eu seria imediatamente eliminada.
Existe ainda um perigo maior que o desemprego: a pergunta é
"quem eu sou" e eu só consigo responder "Como eu me vejo".
Assumo que meu ponto de vista é bem tendencioso.
Estou propensa a gostar de mim.
Rabisquei umas coisas no caderno hoje. Está desconectado por enquanto.
Como sou eu quem escrevo, pensei em deixar meus defeitos para o final.
Vou continuar amanhã. Corro o risco de acordar, achar horrível, e
começar tudo de novo.
"Quem eu sou" é muito amplo.
"Quem eu estou" já é difícil o suficiente.
quinta-feira, 2 de abril de 2009
Mochilas da Company
Houve uma época na minha vida em que tudo era uma mochila da
Company. Eu sonhava com aquela mochila. Me imaginava com
ela nas costas entrando no colégio. Eu a desejava tanto porque
todo mundo tinha. Ou melhor, todo mundo que era legal.
E por esse motivo é que não podia ser de outra marca. Não
tinha nada a ver com levar livros. Eu queria ser da moda,
e o COMPANY escrito na borda preta era pré-requisito.
Ninguém combinou, mas dava a impressão de que todos
partilhávamos dessa mesma idéia.
Assim, quem usasse COMPANY era supostamente "cool".
Quem não usasse, era totalmente "looser" . Sem ética nenhuma,
queria estar do melhor lado. Infernizei a minha mãe até que consegui.
Confesso que senti bem, mas durou pouco. Descobri que a
mochila não me deixava legal, mas igual. Mesmo assim,
depois vieram os tênis da Redley, as calças de neoprene
da Cantão, as blusinhas da Triton, os moletons do Hard Rock,
as cuequinhas Planet Hollywood. E as botas da Schutz, as
argolas de prata, as falsificações da Louis Vitton, a escova de
chocolate e todas as suas variações...
Comprei tudo, até que percebi que eu nunca ficava tão bonita
quanto eu queria ficar. Se eu comprasse a bolsa, ainda faltavam
o sapato, o cinto, a pulseira, o relógio. A felicidade da minha nova
aquisição era logo substituída por tudo que eu ainda precisava ter.
E cansei.
Não adianta eu querer parecer com alguém de revista. Elas ganham
para serem lindas, eu gasto um monte e não consigo.Claro que
continuo achando que as bolsas caras são melhores, mas não
vou pagar o preço de uma viagem por algo que serve para carregar
o celular, a carteira e as chaves. Só se tivesse dinheiro sobrando,
o que não é o caso.
Por razões econômicas e filosóficas, desisti de querer ser igual a
todo mundo. Daqui para frente, pretendo ficar cada vez mais
parecida comigo mesma. É original e sai muito mais barato.
Company. Eu sonhava com aquela mochila. Me imaginava com
ela nas costas entrando no colégio. Eu a desejava tanto porque
todo mundo tinha. Ou melhor, todo mundo que era legal.
E por esse motivo é que não podia ser de outra marca. Não
tinha nada a ver com levar livros. Eu queria ser da moda,
e o COMPANY escrito na borda preta era pré-requisito.
Ninguém combinou, mas dava a impressão de que todos
partilhávamos dessa mesma idéia.
Assim, quem usasse COMPANY era supostamente "cool".
Quem não usasse, era totalmente "looser" . Sem ética nenhuma,
queria estar do melhor lado. Infernizei a minha mãe até que consegui.
Confesso que senti bem, mas durou pouco. Descobri que a
mochila não me deixava legal, mas igual. Mesmo assim,
depois vieram os tênis da Redley, as calças de neoprene
da Cantão, as blusinhas da Triton, os moletons do Hard Rock,
as cuequinhas Planet Hollywood. E as botas da Schutz, as
argolas de prata, as falsificações da Louis Vitton, a escova de
chocolate e todas as suas variações...
Comprei tudo, até que percebi que eu nunca ficava tão bonita
quanto eu queria ficar. Se eu comprasse a bolsa, ainda faltavam
o sapato, o cinto, a pulseira, o relógio. A felicidade da minha nova
aquisição era logo substituída por tudo que eu ainda precisava ter.
E cansei.
Não adianta eu querer parecer com alguém de revista. Elas ganham
para serem lindas, eu gasto um monte e não consigo.Claro que
continuo achando que as bolsas caras são melhores, mas não
vou pagar o preço de uma viagem por algo que serve para carregar
o celular, a carteira e as chaves. Só se tivesse dinheiro sobrando,
o que não é o caso.
Por razões econômicas e filosóficas, desisti de querer ser igual a
todo mundo. Daqui para frente, pretendo ficar cada vez mais
parecida comigo mesma. É original e sai muito mais barato.
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