sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Cada dia está valendo.


Chego meia hora adiantada para assinar minha demissão. Escolho esperar na padaria em frente ao sindicato, onde peço um café com leite e um pão na chapa. Não, não estou com fome. Estou atrás de conforto. Minha vida nunca ficou pior depois de um café com leite e dessa vez não foi diferente.
Reparo na rua, que é de um asfalto irregular rodeada por vários prédios sem charme. Porque já morei por aqui, sinto carinho enorme por esse endereço. Percebo o garçom que me atende como num bom restaurante, lembro do metrô que me trouxe em menos de vinte minutos, penso na amiga que me hospedou e de repente me vejo tão grata por tudo.

São Paulo me deu amizades, me deu bons trabalhos e um diploma de pós graduação. São Paulo me deu 4 CEPS, 5 quilos e incontáveis garrafas de vinho abertas por motivo de boa conversa. São Paulo me deu amor pela avenida Paulista, pelos cachorros que eu vejo na rua e mais amor por mim mesma. São Paulo me trouxe a calma de quem sabe que a minha pressa não faria a menor diferença nessa confusão e a liberdade de ser só eu. Sou mais uma pessoa tentando a vida e, como pra todo mundo, esse tentar não é um treino.

Embora de vez em quando eu ainda tenha a sensação de estar andando em círculos, quando eu penso no quanto eu mudei nesses quatro anos, vejo que as nossas maiores vitórias são sutis demais para entrar num currículo. Esse sentimento simples de que a vida tem sido boa comigo é, sem dúvida, a minha melhor aquisição.

Apesar do aluguel, do trânsito, do preço dos restaurantes, da concorrência e até da competência alheia, essa cidade me trata bem. Talvez a parte boa de não ter nascido paulistana é poder olhar para cá sempre com o mesmo olhar de novidade e ter a certeza de que eu poderei me surpreender com as medidas, a tolerância e com a mistura dessa cidade mil vezes ainda.

As pessoas sempre me perguntam se eu já me acostumei com São Paulo. De maneira nenhuma.
Eu passei a amá-la. É diferente.

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Eu queria um amor, não um financiamento.


Eu não quero ser a chata. Você já deveria saber. Nós nos conhecemos, nos interessamos, eu me aproximei porque quis e achei que você gostasse também. Que fique claro: sei o caminho de volta. Não precisa se preocupar.

Pode ser que eu passe uns dias sem muita esperança, achando que o amor é um filme ruim que eu vi quando era pequena. Alguns anos atrás eu ficaria mais preocupada, mas hoje eu sei que isso passa.

Pelo menos por agora, me incomoda pensar que, na sua cabeça, dependência e envolvimento são sinônimos. Eu não quero te controlar, te pressionar, regular tuas saídas, invadir o teu espaço. Nunca esteve nos meus planos me afastar dos meus amigos, cancelar meus fins de semana, anular todo e qualquer interesse pra vigiar a tua vida.

Eu vejo de um jeito simples: temos química, amizade e parceria. Esse é o tipo de combo que eu quero para mim. Foi apenas por esse motivo que eu cogitei ficarmos mais. Não excluí as viagens do calendário, nem quis restringir o mundo ao edredon. Percebi que me sentia mais viva e feliz do teu lado e que as coisas entre nós fluíam bem.

Fluíam. Nesses últimos tempos, tenho recebido as mensagens que você não enviou. Nas noites em que esperei um convite que não veio, ficou bem evidente que você preferia se manter na superficie.

Não era pra ser sobre cobrança. Eu queria um amor, não um financiamento. Quando eu vejo o quanto o meu interesse te afasta, fico chateada por você pensar que eu gostaria de inspecionar sua rotina e, mais grave ainda, que eu prestaria a esse papel.

A conclusão que eu chego é que talvez você nem me conheça. Somos adultos e estamos bem. A minha vida é muito boa para eu me tornar sua fiscal.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

As frases raramente brotam como mato.


Quase todo mundo com quem converso considera escrever um talento natural. Não vejo com os mesmos olhos. Penso, aliás, que essa ideia pode ser bem perigosa. Considerar a escrita como um dom pode impedir muita gente de evoluir em uma área que eu sei, por experiência própria, que treinar conta muito.

Faz pelo menos vinte anos que eu sei que gosto disso. Lembro da minha primeira dissertação, na sexta-série. Escolhi um tema polêmico. No fim da aula, levantei o braço com pressa. Em frente à turma, lendo em voz alta minha opinião sobre o incêndio de um índio, percebi que dar forma aos pensamentos trazia um prazer particular.

Durante quase todo o tempo da escola, sentei na última fila e rasbisquei cadernos procurando alguma ideia. Quando escrevi o Quase, fazia um ano e meio que eu criava uma redação a cada 15 dias por causa do vestibular. Estudei Jornalismo, editei uma revista por dois anos, fiz curso de romance, de escrita criativa, de redação publicitária, de roteiro, de gêneros de opinião.

E eu ainda não sei nada. Sou leitora de dicionários, confundo as regras do hífen, tenho dificuldade em escolher os títulos e todo texto que eu escrevo eu penso que é o último. Apesar de toda técnica, sou propensa a acreditar que as frases raramente brotam como mato. Para mim, elas se parecem mais com uma dobradura. Transformam o papel em algo mais bonito e ficam mais firmes com a prática.

Aos que querem escrever, escrevam, rasurem, reescrevam, exercitem o olhar buscando um lado mais sincero para falar dos clichês. Durmam pensando nisso. Acordem e joguem tudo fora se surgir uma ideia melhor.

Aos que querem desistir, desistam por todos os motivos, menos porque não é fácil. Nunca é. Até hoje, uma folha em branco me assusta. Mas descobri que se você olhar para ela não com medo, mas com humildade, coisas incríveis acontecem.

terça-feira, 30 de agosto de 2016

"O desespero das mulheres de 30" ou "Ironias a parte, resolvi desenhar"


Ouvi dizer que as mulheres de 30 estão desesperadas. Estamos. Estamos agoniadas. Temos perdido o sono armando planos pra caçar um homem pra chamar de nosso. Um marido para arrastar para as festas e mostrar ao mundo que a gente deu certo. Porque isso que a gente faz todo dia, de trabalhar, almoçar, encontrar gente, não é vida. Vida vai ser quando nós tivermos uma aliança cara, o dia que entrarmos na igreja para dizer o sim da eternidade. Esse tipo de promessa, aliás, sempre parece muito suave, sabe? Dizem que casamento é tão tranquilo que nós temos cogitado nem namorar. Queremos um amor à primeira vista pra contar para os filhos. Ah, filhos. Um dia desses a gente engravida "sem querer" só pra realizar esse sonho. Não é assim?

Não, não mesmo, mas "desespero" é uma palavra tão pesada que sempre me faz imaginar absurdos. Pessoas em desabamentos ficam desesperadas. Pais que perdem a família ficam desesperados. Desespero, ao meu ver, é um sentimento bem distante do que alguns encontros deveriam provocar.

Quando penso nas razões que levam a formular esse tipo de frase, vejo que estamos sendo mal interpretadas. Pode ser que estejamos impacientes, verdade, e é possível também que a nossa sinceridade seja até um pouco assustadora. A pressa, entretanto, tem menos de loucura do que de praticidade.

Vou dar um exemplo estranho: imagine que o amor é uma geladeira, dessas imensas, bonitas, prateadas. Ninguém compra uma assim só porque a oferta é boa. Seria muita inocência acreditar que alguém que mora em um flat vai resolver mudar de casa só porque o IPI baixou. Só vai querer geladeira quem vê valor e já reservou esse espaço.

Sei que a metáfora é horrível, mas, na minha cabeça, um relacionamento exige interesse e se não houver disponibilidade é melhor nem começar. A essa altura, todo mundo já tem uma história e a ideia de que convivência é muito fácil só persiste para os mais desavisados. Querer demorar menos para descobrir se a vida do outro comporta esse tipo de experiência é uma questão de pragmatismo.

Desespero seria aceitar uma situação que não nos é confortável. Seria acreditar que existe um protocolo e que todo mundo merece 120 dias de teste antes que a gente possa se pronunciar. Desesperador seria não entender que as pessoas querem coisas diferentes e que não dá pra forçar ninguém a mudar de ideia.

Eu não uso mais as mesmas saias de antigamente, eu não frequento as mesmas festas da adolescência. Com os anos, deixei de gostar de várias coisas, não porque fossem ruins, mas porque eu mudei.

O fato de uma mulher querer casar não significa que ela vai noivar com o primeiro que aparecer. O fato de ela querer ter filhos não significa que pretende engravidar de qualquer um. Existem diferenças escandalosas entre uma situação e outra e, se você se não consegue perceber, então talvez seja mesmo melhor partir.

Vá tranquilo, querido.

Você nos faz um favor.

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Pega, que o dia é teu.


É a sua vez, e ninguém vai vir avisar. Temos que partir dessa perspectiva. Não haverá uma chamada em voz alta, uma batidinha no ombro no meio da multidão. Só não digo que existe uma vida linda esperando lá fora porque a vida não espera. Ela flui.

Por mais que nos aconselhem, ninguém pode decidir por nós e é bastante provável que os que mais nos amem tentem desestimular. Toda mudança é incerta e gente tem mesmo essa mania estranha de querer poupar o que mais gosta. Vale para os nossos sapatos, vale para os nossos amigos.

Eu era bem pequena quando descobri que brilho tinha a ver com liberdade. Numa noite de verão, me pus a caçar vagalumes. Guardei-os dentro de uma bolsinha. No meu raciocínio de criança, o efeito seria lindo. Na manhã seguinte, acordei ansiosa pelas luzes, mas todos haviam morrido. Entendi que expectativas erradas agridem e até o que a gente vê como muito seguro pode ser uma ameaça.

Seguir o tal instinto parece ser uma boa opção e é uma pena que gastemos tanto tempo desaprendendo a confiar nele. Nossos exercícios no colégio previam cálculos até para atravessar a rua. Devíamos considerar a velocidade do carro, a distância da calçada, a aceleração. Enchíamos os papéis de contas, tentando explicar para a cabeça o que ela não precisava. Descobrir se dá para atravessar é simples: você para, olha e sabe.

Por algum motivo, a resposta mais óbvia nunca é suficiente. E, como numa prova dissertativa, a gente vem justificando tudo, racionalizando tudo, tentando desenhar para os outros porque um holerite já não nos completa. Na correria do dia a dia, esquecemos que todo pensamento é um segredo e que paraíso é uma noção particular.

Foi promovido? A empresa cresceu? Noivou? Casou? E o apartamento? As pessoas nos cobram velocidade, mas ninguém pergunta se o caminho em que estamos leva para onde a gente quer. Nessa ânsia por movimento, há que se tomar cuidado pra não pegar o metrô pro lado inverso. A cada minuto que passa, a volta fica mais difícil.

Quando as dúvidas aparecem, a gente implora por um sinal. Negligenciamos o nosso descontentamento como se esse embrulho interior não significasse nada. Terceirizamos as decisões importantes ignorando o privilégio de elas serem nossas. Por um falso conforto, abdicamos do nosso poder de simplificar as coisas.

Não é mais isso? Ok. Assume, aceita, faz a volta. Tenta até conseguir e se já não aguenta para. Há quem veja como loucura, mas entendo como bom senso: já que terminaremos todos do mesmo jeito, que ao menos a nossa vida seja mais original.







terça-feira, 7 de junho de 2016

Corredor Xing Ling – Sobre redes sociais e desconexões


A utilidade das redes sociais depende da maturidade de quem as usa. No meu caso, zero. Fiquei três dias sem Facebook. Não foi autocontrole. Escrevi uma senha de olho fechado, copiei num e-mail que quase não uso e importunei meus amigos com um papo de alcoólatras anônimos. A parte chocante: não me fez falta. Quando vi que conseguia ficar longe voltei, como todo bom viciado.

Tenho tido algumas dúvidas incômodas ultimamente. Será que algum namorado agressivo repensou sua conduta com nossos posts sobre estupro? Será quem protestou pelo impeachment entendeu a gravidade da palavra pacto? É importante que todo mundo tenha a sua voz. É importante dar volume a assuntos que merecem a nossa atenção, mas fico na dúvida se não estamos todos falando para quem já concorda, se estamos mesmo debatendo alguma coisa ou só gritando sem escutar.

Não sei avaliar o quanto a nossa energia está sendo bem usada. Apesar de tanto contato, eu vejo desconexões. Criamos um tempo paralelo, de novidades sem pausa, e alcançamos a capacidade de concentração de um peixe. Diluímos a informação em notícia, manchete, tweet e sabemos nada sobre muita coisa. Desbloqueamos o celular 150 vezes por dia e falamos o tempo todo sobre nós mesmos.

Imaginei um Facebook físico e a cena me deixou desconfortável. Num corredor Xing Ling, estamos cada um na própria barraquinha, com nossas fotos penduradas, opiniões na moldura, chamando todo mundo para dar uma olhada. O preço é sempre o tempo. Há tendas que juntam mais gente, assuntos que viram tema, mas, como todo comércio, a gente só compra o que quer.

Nem sempre. Tem dias que eu volto cheia de pacotinhos de dor. Com raiva de opiniões absurdas, com vontade de ter o que eu não tenho, com muitos julgamentos apressados que me fazem gostar menos de alguns amigos. Como é tudo muito rápido e as coisas boas se misturam, normalmente eu não percebo quando incluo um peso que ainda não sei absorver.

Sinto que preciso ficar mais atenta: separar melhor o que é desejo do que é frustração, o que é expectativa do que me gera ansiedade, entender se mostrando meu ponto de vista ou só cultivando a minha intolerância. O risco do conteúdo customizado é esse rompimento. Se perdermos a capacidade de ouvir, perderemos a capacidade de nos comunicar.

Ficaremos muito sozinhos.



quinta-feira, 2 de junho de 2016

Só o amor encontra a gente tão desocupada.


Nunca aprendi a gostar de ninguém, muito menos a desgostar. Não sei se é falta de habilidade ou só mesmo impaciência. Das vezes que eu tentei foi um desastre. Faltava tesão, vontade de ficar perto, sobrava aquele desprendimento que eu gostaria de saber simular quando realmente estou a fim.

Seria cruel se não fosse tão verdadeiro. Quando não há interesse, o descaso transborda sem intenção. A gente se esquece de responder, é ríspida sem pensar, todos aqueles compromissos corriqueiros tornam-se inadiáveis. Dormir bem vira prioridade, bem como acordar em casa, com roupas limpas.

Não há nada que se possa mudar. Em vez de “não é com você, é comigo", talvez fosse mais sincero dizer: não é com você, é com a gente. Se um filme no sofá não vira uma confusão, se eu não invento um motivo para falar de você, se a gente mais se defende do que se aproxima, então pra quê?

Acho que a vida é grande demais pra passar com quem a gente não brilha. E isso vale pros dois. Eu não consigo explicar o que faz certos olhos parecerem mais confortáveis do que outros, mas sei que posso reconhecê-los. Enquanto tanta gente fala em lutar por amor, amor, pra mim, é deixar. Se fosse questão de técnica, eu provavelmente aprenderia, mas vejo como um mistério que prefiro continuar acreditando.



quinta-feira, 14 de abril de 2016

Eu poderia ligar, mas preferi mandar mensagem.


Não foi o preço. Não foi o barulho. Não foi a falta de tempo. Depois de tantos anos de comunicação planejada, a verdade é que eu desaprendi a falar no telefone. Hoje se alguém me liga eu me assusto. É hospital? É dinheiro? Se tudo bem, por que ligou? Parece que toda ligação requer justificativa. Tirando a minha mãe e os funcionários de operadora que atendo frequentemente, é como se existisse um pacto: ou a gente se encontra ou você me deixa pensar.

Prefiro não correr o risco de ser surpreendida. Tenho substituído o nervosismo das ligações de aniversário por cômodas mensagens de voz. Não é falta de amor. Pra mim, a espontaneidade virou um esforço. Quero ter a liberdade de descartar o áudio no primeiro silêncio de dúvida. Quero poder reescrever a palavra para me mostrar mais sensata. Quero ter o conforto de não ser interrompida. Uma sequência de exclamações não exprime o meu espanto. Uma fila de emoticons não expressa nenhuma dor. É nessas meias mensagens que eu me sinto mais segura.

Quando paro para pensar nos conselhos que já recebi, “não fale com estranhos” foi, de longe, o mais ignorado. Sou de uma geração que adora estranhos. Eu curto estranhos, compartilho estranhos, guardo, na minha timeline, uma quantidade significativa de gente que eu nunca vi, mas considero meu amigo.

Problema são os conhecidos. Tenho falado pouco com gente que eu gosto muito e percebi que abaixo meu rosto quando alguém entra no elevador. Se tiver celular, olho para tela. Se não tiver, olho pro chão. O silêncio me dá agonia, mas não é tão terrível quanto puxar um assunto. Como não sei ir muito além do boa noite, melhor fingir que estou bem ocupada.

Se, para alguns, a internet é uma janela, para mim é um esconderijo.
É nesse esconderijo que eu encontro todo mundo.



segunda-feira, 14 de março de 2016

Existe um certo prazer em errar de propósito



Dizem que somos racionais, mas eu não sei até quanto. Faço contas de cabeça, entendo causa e consequência, mas encontro com o meu outro lado o tempo todo. Demorei pra conseguir admitir, mas preciso de emoção como preciso de banho. Tem horas que a gente só quer se divertir. E sentir que tem um corpo, que dança, que ri. Falar de coisas fáceis, esquecer a volta, ver que o sono vai embora se você mexer. Às vezes dá vontade de aumentar a música até silenciar os pensamentos chatos que nos consomem dia a dia e projetar a felicidade na medida do instante.

Não é sempre, mas tem noites em que eu sinto uma vontade absurda de me sentir viva. Eu saio e comemoro até as escolhas mais estúpidas, porque me definem tanto quanto as boas. Por mais que eu me culpe, por mais que eu me engane, uma hora eu apareço inconsequente porque essa sou eu. Sou dessas que volta tarde, que muda de ideia, que demora pra escolher a cor do esmalte, mas topa um programa de índio só porque não tinha nada pra fazer. Sou dessas que aperta a mão dos outros com força, que pergunta o signo, que quer segurança mas não assina o plano anual da academia porque um ano é tempo demais.

Quero ser independente e corro de barata. Quero ser fitness, mas adoro vinho. Eu sou dessas que treina para ser mais controlada, mas toda vez que o amor chama eu digo "vamos".

Ninguém vai se lembrar das noites assistindo Netflix. As imagens que eu quero na cabeça não estão no telefone. O risco é um sentimento interessante e a vida passa muito rápido. Enquanto a maior parte do tempo é sobre acertar como ser humano, tem horas que eu me olho e me sinto só humana. E então eu sei que não sou exemplo e gosto um pouco mais de mim por causa disso.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

O lado bom de envelhecer é o de dentro.


Olhou-se no espelho. Depois de uma adolescência que se estendeu além da conta, finalmente estava envelhecendo. O corpo agora era mais arredondado, tinha descoberto um joanete, uma extensa e mal desenhada linha havia se apossado da sua testa permanentemente. Arrancou os primeiros fios de cabelo branco como um prenúncio: muito em breve perderia boa parte dos seus atributos.

O passar do tempo, que à primeira vista poderia apressar sua seleção amorosa, exercia sobre ela um efeito reverso. Nada agradava. Um a um, descartava os pretendentes sem muito padrão. Às vezes, ela mesmo se via exigente demais. Mas isso era raro. Na maior parte do tempo, tinha a impressão de que poderia embaralhá-los todos com suas camisas bem passadas e seus cortes de cabelo e o resultado seria o mesmo: viria com algum hobby propositalmente caro e um modelo de sucesso meio fora de moda.

Podia adivinhá-los. Mandariam mensagens sem novidades. Prolongariam um beijo de despedida dentro do carro. Narrariam seu dia com tantos detalhes que ela poderia cochilar do outro lado da linha sem que eles notassem. Competiriam secretamente com seus vizinhos pelo melhor carro do condomínio e todo carinho seria expresso por uma enxurrada de diminutivos. Esbanjariam em outlets. Ostentariam telefones.

No longo prazo, as visões eram ainda mais perturbadoras. Imaginava-se presa em um apartamento de folder de imobiliária, com cortinas claustrofóbicas e porcelanato bege. Perderia seus domingos com programas esportivos. Engordaria dois quilos por ano. Dissimularia seu mal-estar diante da vulgaridade das mensagens no grupo da família. Faria drenagem. Ele sugeriria umas aulas de pintura. Instalaria-se um silêncio desconfortável no momento em que ela comentasse que achava comoventes os girassóis quando murcham.

Sempre que ia a esses jantares a dois, ficava evidente que certos tipos de companhia a faziam sentir profundamente desemparelhada. Divertia-se ao pensar que alguns guardavam um ar de noivinho de bolo e mantinha seu sorriso imóvel enquanto imaginava um túnel secreto entre o banheiro do restaurante e a sacada do seu apartamento.

Ainda que as amigas torcessem por um possível romance, a cada ano ficava mais claro que a conveniência jamais compensaria a falta de afinidade e já não via sua felicidade tão atrelada a um padrão. Se tinha um lado bom de envelhecer, era o de dentro. Embora às vezes escorregasse, sentia-se sã o suficiente para desistir de encaixar o que não se encaixa e comprometida a ponto de buscar para si uma história um pouco mais inspiradora.


quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Tinha um labirinto no seu nome.



Água molha, mormaço queima, pressa atrasa, amor dói.
Animais de estimação morrem em filmes de terror.
Algumas coisas na vida são óbvias.
A primeira vez que eu te encontrei foi num dia óbvio assim.
Era segunda de madrugada, eu tinha voltado do trabalho.
Era claro que eu não deveria ir.
Não é que a verdade estivesse na cara:
a verdade pulou na minha frente,
dançou no meu colo e eu me esforcei para ignorar.
Já era tarde e não éramos íntimos.
Fica. Minha cabeça alertou, num pensamentos claro e inconveniente.
Fica. Dorme, descansa, espera até amanhã.
Fica. A essa hora vai parecer desespero.
Fica.
Fica.
E eu fui.
Menti pra mim mesma que ia voltar bem rapidinho
com a mesma cara de pau com que me engano
que vou beber uma cerveja.
Lembrei do blush, esqueci do batom,
sai com umas pulseiras prateadas e uma calça jeans por passar.
Mandei mensagens no taxi, levei um chiclete na boca,
entrei segurando o telefone porque eu não sabia muito mesmo
o que fazer com as minhas mãos.
Naquele momento, eu era só expectativa.
Você era um nome completo
que eu pronunciava na minha cabeça toda vez que te via online.
Já tinha ouvido a tua voz, visto umas fotos tuas, mas agora era pouco.
Queria descobrir a consistência do teu braço e a velocidade do teu olho.
Quando eu te vi pela primeira vez, notei o rasgo na tua bermuda.
Você veio sorrindo de longe como se me gostasse também.
Depois, eu te vi de perto e achei teus cílios voltados
pra baixo como uma cortina rala ou uma planta carnívora.
Me encaixei no teu sofá e te beijei antes da hora.
Você me falou uns absurdos e eu ri.
Ri, ri, e só depois entendi porque minha cabeça dizia fica.
Amanhã faz um ano.
E eu nunca mais consegui ir embora.

Ontem eu achei um emprego. Hoje eu pedi demissão.

Ontem eu achei um emprego. Hoje eu pedi demissão. Vou explicar o motivo para que vocês se saiam melhor do que eu. Desemprego mata a aut...