quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Déjà vu



Já tinha visto Paraty nos filmes. Um rio límpido cortava a cidade, uma paisagem de quadro com montanhas ao fundo. As casas históricas, as estradas de pedra, parecia viver em outra época a Paraty dos meus sonhos.

Ainda que tenha conseguido reconhecer alguns enquadramentos muito favoráveis no centro histórico, com suas portas coloridas e suas janelas retas, ainda que tenha provado as cachacas mais docinhas e me encantado com a simpatia do povo, não posso dizer que encontrei a Paraty que esperava.

A natureza surpreende, verdade, mas o que reconheci, de primeira, ao saltar na rodoviária depois de 14 horas de viagem, foi uma cidadezinha do litoral do Brasil. Não é a primeira vez que tenho a sensação que as cidades da nossa costa são gêmeas. Tanto em suas bênçãos, quanto em suas dores, parece que cumprem, no improviso, o mesmo padrão.

Por toda a extensão do oceano parece combinado que toda beleza natural será contraposta pela desorganização humana e que para cada pousada boutique surgirão dez artesãos de flores de palha. Buffers de sorvete serão estrategicamente posicionados entre lojas de biquini, tendas de canga e comércios de R$ 1.99. Segundo a tradição, pediremos caipirinha, comemoraremos chorinhos nas batidas, nos renderemos a coxinhas embanhadas e pastéis de 30 cm. Reconheceremos uma alegria singela nos olhares das pessoas, nas havaianas enfeitadas, nos artesanatos de concha e garrafinhas de areia desenhada com o nome do lugar. Seremos assediados por panfletos de passeio de escuna, recusaremos sinceramente panos de prato, colares de semente e brincos de pena. Olharemos com pena para as índias sentadas chão. Procuraremos uma moeda para as crianças. Nos impressionaremos tanto com o mar quanto com a supervalorização da batata frita. 

Relembraremos verões antigos com as anti-higiênicas descargas de cordinha e os cardápios em pasta de papel de carta nos farão repensar que ano estamos. Por todas as cidades que conheço, salvo raríssimos quilômetros de exceção, andaremos por calçadas desalinhadas, margeadas pela areia que toma os cantos do asfalto, do mato que toma a grama, da lama que toma tudo cada vez que chove. Barracas decoradas com frutas da estação anunciarão drinks com nomes eróticos e, longe dos camarotes e vodkas importadas, nos sentiremos premiados com uma Smirnoff de verdade. 

Quando penso nas cenas que se repetem, vejo biscoitos de polvilho e doces da fazenda. Olho para a moda duvidosa das saídas de banho e sinto como se vivesse no jogo da memória. Amanhã de manhã, depois de aceitar a contragosto o taxímetro desligado e trocar minha passagem num terminal calorento, confirmarei para mim mesma minhas impressões sobre Paraty. Consigo supor as paradas da volta: os restaurantes na beira da estrada, a catraca na porta, a caixinha do banheiro, os pedaços de papel higiênico fracionado. Levo um sentimento agridoce. É uma mistura de atraso, desleixo, melancolia e infância. Como ocorre com as cidades gêmeas, deixo Paraty sem muita saudade. Sei que poderei reencontrá-la em outras viagens.


2 comentários:

  1. Boa noite Sarah. Estive por lá após uma estada em Angra, tive a mesma sensação tão bem explanada por você. Mesmo as ruas desalinhadas e estreitas, trouxe-me a memória, pedras, que lembram tristes episódios (a escravidão) e o ácido odor de urina pelas vielas encharcadas de esgoto. Uma enorme igreja a olhar o mar, um mar mar triste que mais parecia morto, explorado pelas escunas. Trouxe comigo algumas fotos, mas asseguro-lhe não ficou saudade. Foi um prazer ler seu artigo, desejo-lhe sucesso.

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  2. Linda descrição do seu tour. N'outro dia postei um comentário "Déjá vu", mas não o visualizei. Se fui contraproducente, corrija-me pela desaprovação. Bom dia!

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