segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Podaram uma pessoa


Já passa das duas da tarde. Os pratos ainda estão sobre a mesa. O celular recebe uma mensagem de chamada não atendida. Ele pergunta quem é. Ela responde não sei, mas ele não acredita. Começam a discutir. Em menos de quinze minutos, todos os fantasmas das brigas antigas ocupam o apartamento recém comprado. Ela tem 22. Ele tem 25. Ela quer ir embora, mas ele não deixa. Ele pede desculpas. Ela não cede. Ele então resolve fazê-la se arrepender.

Primeiro um tapa, depois um empurrão. Ela cai por cima da mesa. Ele a ameaça. Ela corre para o banheiro, mas não consegue trancar a porta. Ele atira seu celular para longe e começa a chutá-la. "É hoje que eu morro", ela pensa ao ver o facão. Com as mãos, ela tenta seu proteger seu rosto. Alguns gritos depois, ela perde. 

Ela perde o tocar, o dirigir, ela perde sua letra e o abrir as portas. Perde o cumprimentar, o acenar, o acender e o fotografar. De uma hora para outra, somem todos os acordes do violão e a possibilidade de ligar pedindo ajuda. Ela não pode mais assinar um cartão. Não pode mais rabiscar o papel. Morrem naquele momento todos os desenhos que um dia faria e as receitas que queria aprender. Não poderá mais apertar as perninhas fofas do seus sobrinhos pequenos, nem fazer suas próprias malas. 

Morre a independência. Morre o vestir-se sozinha. Morre o segurar dos talheres, o lavar os cabelos e o mudar de canal. Morre o clicar, o digitar, o estender. Morre o fechar as cortinas, enfeitar a árvore de Natal. Morre o acariciar um filhote. Morre o abraçar forte. Morrem uns tantos desejos e todos brindes do réveillon. 

A mulher sobrevive. O caso vira notícia. As manchetes focam no corpo, mas me parece simplista. No momento em que o marido decepa as duas mãos daquela moça, ele amputou uma vida.





-- Quem quiser/puder ajudar, essa é a conta da mãe dela:

Janete Silva
CPF: 92130135072
Bradesco
Agência 1973 Conta Corrente 0038720-7

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