terça-feira, 11 de agosto de 2009

Feitiço

Minha casa já foi um engenho de farinha. Antigamente, o lugar onde estou agora era habitado por bois e descendentes de açorianos que vieram tentar a sorte no Brasil. Não sei se morreu algum escravo por aqui. De noite, as portas de madeira estralam sozinhas. Ruídos estranhos percorrem a casa e eu prefiro nao imaginar o que pode ter acontecido aqui na época em que isso era apenas lagoa e escuridão. Ou melhor, era a lagoa, a escuridão e a magia de que tanto falam.

A magia da Lagoa da Conceição tem menos a ver com encanto e mais com feitiço, bruxaria. Quando eu era menor, era bem comum encontrar "trabalhos" nas esquinas. Galinhas mortas, galhos de árvores, velas mil. Até hoje, sempre que escuto o barulho do vento penso que pode ter sobrado alguma bruxa por aqui. Talvez alguma bruxa morta que nao quis ir embora...

Antes de existirem shoppings, plástico e congestionamento, a Lagoa era um lugar calmo e sua economia era basicamente a farinha de mandioca. Toda a mandioca colhida aqui era transportada em balaios. Esses balaios eram feitos de cipós. Enquanto as mulheres se encarregavam de trançar a cesta, cabia aos homens recolhê-los da natureza. Uma vez por semana, subiam o Morro em busca de cipós mais resistentes. Um dia, um grupo se deparou com um cipó perfeito, grosso como uma corda, mas já estavam tão exaustos que decidiram poupá-lo.Deixaram as ferramentas ali mesmo e voltaram para suas casas.

Na semana seguinte, quando retornaram, encontraram seus machados todos pendurados no alto das árvores. Estranharam. Pensaram que talvez fosse obra de algum macaco arteiro."Será?" Acharam muito esquisito.Largaram as ferramentas no mesmo lugar e resolveram esperar para ver o que acontecia. Dessa vez, um homem ficou para fazer a vigília.

Voltou para casa apavorado. Chegou correndo, pálido, suado. "Uma bruxa" , "Uma bruxa", era só o que conseguia dizer. Depois de alguns minutos, já mais calmo, ele contou que  assim que escureceu ele começou a ouvir ruídos, mas pensou que fosse algum bicho. Adormeceu. De repente, uma gargalhada alta o fez despertar. Quando olhou para cima, uma bruxa se balançava no cipó. Saiu em disparada em direção à vila.

Todos os outros ouviram a história aliviados por não terem cortado o balanço da bruxa. Todos menos um. Seu Rosário, pulso forte e poucas palavras, não acreditou no vizinho. Na mesma madrugada, foi até o lugar onde haviam deixado as ferramenta. Não encontrou absolutamente nada fora do lugar. Nenhuma bruxa. O cipó continuava lá, intacto.

Não pensou duas vezes. "Vou arrancar isso aqui". Pegou o machado do mato e logo no primeiro golpe o cipó se tranformou em uma enorme enguia. No momento em que o metal da lâmina encostou no peixe elétrico, o choque foi tão grande que ele caiu desmaiado. Em poucos segundos, uma revoada de corujas veio bicar seus olhos. Depois, elas se transformaram em três urubus e comeram toda a carne do homem.

 Quando não havia mais nada, os urubus viraram bruxas de novo. Primeiro as patas, depois o corpo e a cabeça. Por fim, as asas viraram longos braços magros, com dedos que mais pareciam afiados galhos secos. Ao saírem, as bruxas levaram as ferramentas para bem longe, mas fizeram questão de deixar os ossos ali, como um recado.

A vila nunca chegou a ter certeza do que aconteceu naquela noite, mas o mistério foi suficiente para comprovar a suspeita. Toda a desgraça vinha da combinação de três fatores: era a lagoa, a escuridao e a mesma magia de sempre. 

* Desculpa pela falta de acentos: ainda não me acostumei com o teclado que estou usando agora.

Um comentário:

  1. Haha, adoro essas histórias. Se estivéssemos na sua casa, a noite, eu ficaria com medo.
    ;*

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