Estávamos eu e a mosca. Tinha sentado na poltrona da sala de espera do aeroporto de Belo Horizonte havia quase duas horas. Desde então, a mosca me acompanhava. Revezava entre o braço da cadeira e o meu. Tentei espantá-la, mas foi inútil. Mesmo que ela fosse muito menos ágil que um mosquito, eu nunca teria prazer em esmagá-la com a mão. Visto que não conhecia ninguém aqui, a mosca até me distraía.
Enquanto me demorava nos detalhes das asas, um homem se aproximou. Barba por fazer, alto, magro, lindo como qualquer coisa improvisada. Meus olhos esqueceram a mosca, passaram a admirar a paisagem que milagrosamente sentou-se ao meu lado.
-Está ocupado? –perguntou.
- Não, eu estou sozinha – respondi, com um sorriso maior do que devia.
Em frações de segundos já havia me arrependido de ter aberto a boca. O cara me perguntou se podia sentar e eu já adiantei que estava solteira. Tive vontade de morrer atropelada por um avião. Achei que fosse melhor ir embora, mas reconsiderei. Se a conversa fluísse bem, talvez ele nem percebesse que eu estava mesmo tão carente. Ainda que morrendo de vergonha, resolvi ficar onde estava. Disfarcei meu nervosismo olhando a mosca.
-Esses olhões são incríveis... ele comentou, com a cabeça virada na horizontal.
- São mesmo...
-Você sabia que as moscas podem enxergar até quatro mil ângulos ao mesmo tempo?
-Sério? – questionei com interesse vago. Na verdade estava muito ocupada admirando o angulo horizontal da cabeça dele, que deixava o cabelo cair na testa.
- É porque elas tem milhares de olhos... disse fascinado.
- Você é biólogo?
-Sou.
- Que legal. Sempre achei legal conhecer bem a natureza.
-É uma profissão maravilhosa, mas eu sou suspeito para falar.
Constatei que estava mesmo desesperada. Em sete frases eu já imaginava nós dois levando nossos filhos para o Zoológico. Já escolhia o nome do nosso labradorzinho quando o telefone dele tocou.
-Alô, Alô, não estou escutando... alô... – repetia.
-Você quer tentar do meu? – ofereci, prestativa.
-O seu também é rádio?
-É. Pode usar à vontade...
-Muito obrigada. Estou mesmo preocupado. É que a minha esposa é modelo. Ela viajou para França ontem e até agora não deu notícia. Vi no jornal que está chovendo muito. Ela deve ter acabado de chegar – explicou bem explicado.
Sorri amarelo. Levantei quando escutei o “oi amor”. Deixei o telefone com ele e fui até o bar. Pedi vodka e gelo. Duas. Uma pra mim, outra pra mosca.
É veridica ou só uma crônica?! Hahaha... mt divertido!!!
ResponderExcluirHhahaha, que legal sarinha! Teus continhos tem algo tragico/cômico de nelson rodrigues! Adoro!
ResponderExcluir;*
Sarah
ResponderExcluirCrônica de li cio sa !!!!
Grato por ter oferecido-nos a possibilidade de lê-la!
Cheguei até aqui através da minha amiga Maria Izabel Viégas e vou voltar lá para agradecer a possibilidade de estar tendo contato com teu blog e o fantástico universo de tuas palavras.
Tu as ajunta de uma forma singular, fazendo amor com elas!
Esteja sempre bem, nesta noite e em todas as demais!