terça-feira, 29 de setembro de 2009

Rodeios

Marçal Aquino escreveu

A noite prometia movimento. O estacionamentojá estava tomado por caminhões e pelos carros, dos quais desciam grupos de rapazes com as mãos nos bolsos e aquele ar confiante de quem vai se divertir muito na noite de sábado. Da rodovia, a pouca distância dali, chegavam os ruídos dos caminhões e ônibus trafegando em  velocidade.

Eu continuei:

    Sábado era o dia que eu mais esperava. Mas não pela festa, pela música ou pela euforia das meninas. Para falar a verdade, eu nem ligo para cavalos e detesto sertanejo. O que me faz deixar a minha namorada em casa para vir para esta festa lamacenta cheia de bêbados barbudos é justo o dinheiro desses bêbados barbudos. 
    Antes que vocês pensem errado eu esclareço: não sou gay. Sou até bem boa pinta. Clara, por exemplo, pensa que eu sou rico. Coitada. Ela ficou com essa impressão por causa da noite em que a gente se conheceu. Naquele dia, eu estava pagando tudo para todo mundo mesmo. A gente se encontrou na fila de comprar fichas. Ela tinha vindo com o pai e a mãe ver o primo, que é cowboy, se apresentar.Lembro que pedi 90 reais em ficha, dei para a moça uma nota de 100 e falei para ela ficar com o troco. Para quem trabalha na roça, como quase todo mundo aqui, dez reais é uma grana. Não sei se foi de mim ou do dinheiro, mas que Clara gostou, gostou.
    A parte que ela não sabe é que naquela noite eu tinha acabado de roubar uma carteira com 300 reais. Eu fiquei tão contente que resolvi comemorar com meus amigos. Falei que achei. Na hora, eu até senti algum remorso. Pensei que talvez o cara tivesse vendido a moto, ou esse dinheiro fosse para comprar uma serra, uma ceifadeira, mas... pensa comigo: se ele tivesse alguma boa intenção, ele ia trazer esse dinheiro pra festa? O que ele quer mesmo é gastar em mulher e bebida. Ou então é muito burro mesmo.... Daí não tem problema,né? Além do mais, todo mundo me tratou tão bem que eu meio que viciei na coisa.
    O procedimento é muito simples. Eu presto atenção em quem tá pior na fila das fichas. Depois, na hora de pegar a cerveja, eu roubo a carteira. Naquele empurra-empurra, ninguém percebe. O cara sai feliz com o copo cheio, e eu fico com o dinheiro dele. Todo mundo sai ganhando. Depois, quando o cara se dá conta e vai falar com o segurança, chega a ser constrangedor. O polícia nem dá bola. Dá para imaginar quantos bêbados perdem a carteira num rodeio?
    É tudo tão seguro que eu às vezes me odeio por nunca ter tido essa ideia antes. Geralmente eu pego uma coca, fico num canto e vejo quem tropeça mais. Depois das 3h da manhã, isso vira uma festa. Ninguém se aguenta em pé. Eu pego 5 , 6 carteiras e volto para casa, que é pra não dar bandeira.
    Hoje estou com sorte. São 2h20 e eu já roubei três. Deu 81 reais e dois cartão telefônico. Contei quando fui no banheiro. Estou conversando com uma guria que tá esperando a amiga comprar a ficha. Ela não se conforma quando digo que não bebo...
    De repente, sinto um braço se enroscar no meu pescoço. Peludo demais para ser de mulher. Ele me dá uma chave e eu só começo a entender no momento em que ele grita:
"Bem que me falaram que tu era um safado mesmo. A Clara lá em casa, rezando pela tua mãe doente e tu aqui com essas galinha..."
    É o primo Cowboy. Empurro ele para o chão. O pessoal se afasta, mas fica para assistir. A polícia chega para separar, mas estranha a quantidade de carteiras no chão. São três. Nenhuma com a minha identidade dentro.


* Texto escrito às 8h30 da manhã de hoje, como exercício de redação.
** Sei que está cheio de erros de concordância, a intenção era ser coloquial. 
*** Referência bibliográfica do primeiro trecho: AQUINO, Marçal. "Visita". In: Famílias terrívelmente felizes. São Paulo: CosacNaify,2003. 


Um comentário:

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