quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Topless pra quem tem peito

Foi só vê-lo se aproximar que o arrependimento começou a bater.

Estava ali esticada, imóvel, exposta.

Manteve o foco na linha do horizonte para afastar

qualquer possibilidade de contato visual.

Tentou não fazer nenhum movimento brusco

na esperança de que não fosse notada.

No desespero, desejou profundamente que o homem se dirigisse

a alguma cadeira atrás da sua,

mesmo já sabendo que não havia ninguém.

Antes de sentar, tinha se certificado.


Os metros de isolamento faziam parte de um plano

que havia começado de manhã,

durante uma conversa com o espelho.

Tirou a blusa, olhou-se de frente, virou-se de lado e decidiu: é hoje.

Já estava na hora de enxergar o peito

como mais uma parte do corpo.

Inegavelmente mais interessante que os cotovelos,

mas ainda assim uma parte do corpo.


Fazia quase dois anos que estava treinando para isso.

Desde que chegara a Nice invejava a falta de cerimônia

com que suas amigas se libertavam das blusas na praia.

Achava o máximo a naturalidade com que assumiam seus seios.

Maiores ou menores, rosados ou marrons,

firmes ou nem tanto.

Sua inseparável "parte de cima" a fazia sentir tão antiga

quanto as vergonhas da carta de Pero Vaz de Caminha.

Sufocados, esmagados, erguidos com hastes de arame.

Enquanto a arábia tinha burca, o Brasil tinha o bojo.


Mas ela não estava mais no Brasil.


Escolheu então o lugar mais afastado.

Abriu a cadeira, esticou a toalha, desfez o lacinho.

Sentiu o biquini frouxo e a adrenalina da transgressão.

Arrepiou-se inteira.

Entendeu os homens sem camisa.

Concordou com as que queimaram o sutiã.

Era o fim de um enclausuramento que já durava 30 anos.


Os mamilos ainda comemoravam o ar livre quando o homem apareceu

e, como para irritá-la, sentou-se a quatro palmos da sua cadeira.

A moça defendeu-se como pode: virou-se de bruços.

Inventou um livro para ler.

Era visível o constrangimento que ele parecia ignorar.


- Você tem Facebook? -- perguntou em um inglês com sotaque estranho.


Ela nem respondeu.

Era o cúmulo da audácia e da inconveniência.

Ainda de costas, prendeu o biquini e saiu enterrando os pés na areia.

Voltou para a casa furiosa.

Quando a raiva passou, viu que ainda não estava preparada.

Definitivamente,

desprender-se da cultura era bem mais complicado

que desamarrar os lacinhos.

Um comentário:

  1. Na primeira vez que fui para a praia no sul da França fiz topless...e todas as outras vezes também!
    Só não consegui ir tomar banho de mar com os peitos de fora. Achei que era demais pra mim, mas agora me arrependo.
    ;-)

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