quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

A noite dos papéis trocados

Renata Oliveira está digitando. Não está mais. Voltou agora. Apagou a linha toda e acabou enviando só um sorrisinho. Ele responde:

-       Vou entender como um sim.

Arrepiou inteira. Sabia o quanto queria e o quanto não deveria querer. As mãos pausam sobre o teclado. Ele insiste.

-       Às nove?

Ela respira fundo e aceita. A contagem regressiva começa. Faltam 45 minutos e o cabelo parece sem salvação. Todas as calças legais estão sujas e ela cogita usar aquela legging brilhante. Prova e se sente meio aranhosa. Muita pretensão para uma quarta-feira.

Corre para o chuveiro e só depois lembra que esqueceu a gillete. Molha o banheiro todo, escolhe uma roupa com pressa, deixa a toalha em cima da cama e sai de cabelo molhado. No espelho do elevador, vira de costas e percebe que o jeans do short cedeu. Ato falho. “A única coisa que ele iria notar...”

Estava enganada. Mal abre a porta do carro e ele elogia o bronzeado.

      Deve ter feito sucesso na Bahia...

Tenta controlar a vontade de sorrir de volta, abaixa a cabeça e desvia o olho. Ele insiste.

      Bonita assim, certo que virou ponto turístico.

Coloca a mão na perna dela e aperta um pouquinho:

      Né?

Por baixo dos cabelos soltos ela ri. Adora suas cantadas toscas. Entende que toda a raiva que sentiu nesses últimos dias era só uma vontade frustrada de tê-lo por perto. Agora, a 80 cm de distância, o discurso ensaiado não faz o menor sentido.

Trança seus dedos entre os dedos dele.

      Menos, tá?
Para onde é que a gente tá indo?

      Você gosta de mojito, não?

Na verdade está com fome. Poderia encarar uma churrascaria, mas as segundas intenções vem primeiro. Concorda.

É janeiro e faz um calor abafado. O ano mal começou. As luzes do trânsito deixam a noite mais divertida. Com os reflexos no vidro, olha para ele e repara que tem o achado cada vez mais bonito ultimamente.

No restaurante, escolhem a mesa ao fundo. Ela pergunta do trabalho, conta da viagem e parece acertado pular os assuntos que gerariam conflito. Esquece o celular dentro da bolsa. É sempre com ele que ela quer falar.

O segundo mojito chega junto com uma onda de sinceridade.
Incomodada ela pergunta:

-       Por que você não respondeu?
Você sabe que eu gosto de você.

O tema da conversa são mensagens de ano novo. No quadrado de Trancoso, cheia de amigos, ela jurou pra si mesma que não entraria em contato, mas foi só ver os fogos de artifício para morrer de saudade. Mandou um Whatsapp enquanto ele estava online, mas não teve resposta. Imediatamente, percebeu que a data abaixo do nome tinha sumido.

O ano mal começou e já tinha começado mal. Foram quase seis dias de silêncios e indiretas até que ele decidiu encontrá-la.

-       Você toda linda, lá longe. Você acha o quê?
Que eu tava de boa?

-       Ahh, vai tentar colocar a culpa em mim?
É essa a sua tática?

-       Não, garota, não tenho tática.
Olha pra mim.

Ele chega bem perto e levanta o rosto dela.
Os olhos ficam na mesma altura.

-       Você tá aqui brigando comigo e eu tô até agora querendo te dar um beijo.
Vem cá...

Ela beija. É um beijo conhecido que só tende a melhorar. As pausas, o ritmo, a respiração. Queria ficar mais tempo com ele, mas não vai ser hoje. Reluta, pede a conta, diz que precisa dormir cedo.

Ele a deixa em casa e ela vai embora com um “a gente se fala” atravessado na garganta.

Já são quase meia noite e ele se apressa. Abre a porta com cuidado e estranha as luzes acesas. Ao entrar no quarto, a outra o espera lendo um livro. Ele senta na cama e reclama das horas extras. A moça, de calcinha e sutiã, se comove com o cansaço do marido.

-      Amor, quer que eu faça uma massagem?  


2 comentários:

  1. Final surpreendente. Gosto do discorrer de seus diálogos, são palavras que prendem e na sequência sempre leio-a até ao final. Fica um sabor de ... Quero mais. Estou aqui porque uma grata satisfação causa-me sua performance. Abraços poéticos.

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  2. MUITO BOM .PRENDE A ATENÇÃO .FINAL SURPREENDENTE!

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